Coordenadoria de Comunicação do Gabinete do Reitor - UFRJ www.olharvirtual.ufrj.br

Edição 295      18 de maio de 2010


De Olho na Mídia

A pílula dourada da mídia

Aline Durães

Ilustração: Caio Monteiro

No próximo dia 11 de junho, mais uma Copa do Mundo de Futebol se inicia. Sediado pela primeira vez por um país africano, o evento pretende atrair para a África do Sul cerca de 250 mil turistas. Apesar da quantidade de informações divulgadas sobre o país-sede, pouco se fala das peculiaridades na hora de “dourar a pílula”. Diariamente, a grande mídia se cala diante dos altos índices de estupros perpetrados contra mulheres e de contaminações por HIV verificados no país.

A cada três minutos, uma criança ou uma jovem é violentada na África do Sul, país com o maior número de estupros do mundo. Cerca de 60% das vítimas têm entre 14 e 19 anos. Argumenta-se que o rígido sistema patriarcal sul-africano e a trajetória histórica de conflitos étnicos vivenciada pelo país influenciam o comportamento. “Diversidades étnica, cultural e linguística contribuíram para tensões sociais permanentes, onde a agressão sexual às mulheres foi sempre uma expressão constante, generalizada e, eu arriscaria a dizer, primitiva, como no reino animal; foi sempre uma forma de demonstrar superioridade física e social. Por muito tempo, até um passado ainda recente, e em vastas áreas da sociedade local, não vamos encontrar uma condenação moral à agressão sexual às mulheres como o que se desenvolveu nas sociedades mais cultas da Europa”, explica Franklin Trein, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs) da UFRJ.

Trein aponta que a virulência da dominação europeia, concluída em 1910, quando os britânicos reconheceram a independência política da África do Sul, pode ter agravado as agressões contra as mulheres do lugar. “Não disponho de elementos científicos para afirmar que a prática de agressão sexual contra as mulheres chegou à África com os colonizadores, mas posso supor que, se já existia anteriormente, os europeus em nada contribuíram para que aquela prática fosse superada. Pelo contrário, a história registra que, aos costumes locais, se somaram ainda os preconceitos, a arrogância, o poder material e cultural do homem branco que oprimiu, explorou, humilhou a todos e em especial as mulheres, escravizadas fora de casa e dentro de casa, na cozinha, na sala e no quarto”, observa.

Para o professor, a exploração à qual foi submetida por países europeus durante cinco séculos consecutivos explica não só a violência e as doenças presentes no continente africano como também permite compreender a realidade de pobreza e miséria que assola sua população. “Hoje, a África é um território abandonado à sua própria sorte. Os problemas são de tal magnitude que ninguém quer assumir a responsabilidade por eles, nem os impérios coloniais do passado e nem as próprias elites africanas do presente.”

Pesquisas da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que a África do Sul é o país com o segundo maior número de contaminações por HIV, perdendo apenas para a Índia. São quase de 6 milhões de pessoas infectadas com o vírus da Aids. De acordo com a ONG Love Life, 35% dos casos de contaminação ocorrem em mulheres com menos de 20 anos.

Nem mesmo os investimentos destinados à África do Sul por conta do evento que reunirá times de 32 países são capazes de modificar a situação caótica instaurada ali. Na opinião de Trein, o megaevento esportivo pode agravar ainda mais o quadro, na medida em que “aqueles que têm os ganhos assegurados pela manutenção da situação atual estão trabalhando para mostrar para o mundo uma África de poucos, muito poucos, de uma elite aliada aos interesses deles, enquanto que o resto da realidade social africana, aquela da miséria, da fome, da doença, da falta de esperança, fica esquecida, ou melhor, escondida. As imagens da natureza exuberante da África do Sul têm servido mais para encobrir a situação crítica da população do que para despertar solidariedade internacional no sentido de se poder dar solução às muitas formas da miséria indescritível em que ela se encontra.”
  
Durante quatro semanas, o país ganhará repercussão mundial e estará sob os holofotes da mídia internacional, mas sem dar visibilidade aos graves problemas enfrentados pelo país-sede a grande imprensa seguirá produzindo material sobre a Copa do Mundo de 2010. Na opinião do professor, a maior parte dos conglomerados de comunicação se limita a divulgar informações sobre o evento em si, ignorando o contexto político, social e espacial no qual estará inserido. “Talvez, a mídia não esteja interessada em divulgar informações sobre a realidade social da África do Sul que possam prejudicar o sucesso do evento. Como ela, mídia, tem ganhos, que não são poucos, ao esconder os fatos, estará agindo em benefício próprio”, conclui Franklin Trein.