Edição 159 22 de maio de 2007
Embora a preocupação com o aquecimento do planeta seja relativamente recente, ela está na ordem do dia. O relatório do Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas (IPCC), neste ano, divulgou o mapeamento de questões técnicas sobre o clima, passando pelos efeitos que essas mudanças teriam sobre a biosfera até chegar, em sua terceira parte, às possibilidades de minimizar os efeitos desse fenômeno climático e a dicas sobre como fazê-lo.
Esta tentativa de reverter o quadro ambiental atual, no entanto, enfrenta grandes obstáculos: além do desafio de desenvolver novas tecnologias na área de energia — que possam tornar mais eficientes e menos poluentes os processos de produção e consumo —, outra questão fundamental é a tomada de consciência e conseqüente ação de cada indivíduo e dos governos.
Para falar sobre a necessidade de um esforço, em nível global e integrado, por parte de cada indivíduo (como consumidores finais, portanto, responsáveis pela atividade industrial), e por parte dos governos (como definidores de trajetórias de desenvolvimento), o Olhar Virtual convidou Reinaldo Luiz Bozelli, professor e biólogo do Laboratório de Limnologia do Departamento de Ecologia do Instituto de Biologia da UFRJ e Roberto Schaffer, professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ e um dos três brasileiros que participaram do grupo de trabalho responsável pela formulação do relatório do IPCC.
"O efeito estufa, num primeiro momento, é benéfico; se ele não existisse, a vida seria praticamente inviável, devido à baixa temperatura da Terra. O que se discute hoje, porém, é o incremento dos gases do efeito estufa que seguram o calor no planeta, numa proporção que eleva exageradamente sua temperatura média, influenciando no nível dos oceanos e até mesmo na distribuição das espécies, entre tantas outras coisas.
Analisando as mudanças globais, percentualmente, a contribuição para o aquecimento vem de três questões centrais, que se revertem em elevados padrões de consumo de energia, com uso excessivo de combustível fóssil: transporte (quanto ao uso de combustíveis para deslocamento); agricultura (quanto ao consumo energético para produção de pesticidas e fertilizantes, devido à demanda crescente por alimentos); e questões culturais, de consumo.
Existem decisões cotidianas e individuais que, certamente, vêm a influenciar a concentração de gases os quais incrementam o aquecimento da Terra. Se o indivíduo economiza energia elétrica, ele diminui a necessidade dessa energia e diminui, conseqüentemente, a necessidade de se buscar outra fonte para gerá-la. O consumidor final, então, é de fato quem demanda os bens e serviços que são produzidos pela indústria, tendo ele grande responsabilidade na questão das mudanças climáticas e na solução para elas.
No entanto, as pessoas não podem fazer tudo sozinhas. Se alguém quiser reciclar seu lixo, tratar seu esgoto, organizar um sistema de transporte coletivo para ir trabalhar, não pode fazê-lo. Ou seja, há tarefas que exigem legislação e controle e que, portanto, são do poder público. Indivíduo e governo devem cuidar, juntos, do problema do aquecimento global; deve haver limites a serem respeitados pelas pessoas e cobrados, fiscalizados e punidos (em caso de violação) pelos governos.
Sendo o problema do aquecimento global não apenas a questão de lançar mais gás carbônico na atmosfera, porém uma questão de opções culturais (de consumo, técnicas, pessoais, sociológicas, religiosas, governamentais), percebe-se que a mudança começa pela discussão de uma educação ambiental. Num passo seguinte, a solução vem das pessoas se interando desta discussão e trilhando os caminhos pelos quais podem agir, sempre em conjunto. Só então pode-se cogitar a possibilidade de desenvolvimento sustentável "
“O cenário que o IPCC produziu revela que, para segurar as concentrações de gases do efeito estufa no que se considera os limites mais inferiores possíveis, o mundo deve fazer investimentos em tecnologias mais caras, o que levaria a um custo equivalente a ter o PIB mundial dos países crescendo algo em torno de 0,12% a menos do que se cresceria se não fosse feito nada em relação à questão ambiental. Isto faria com que se chegasse ao ano 2030 com um PIB mundial cerca de 3% menor do que se não houvesse nenhuma ação.
Esta estimativa de 3% a menos de PIB, ainda é bastante conservadora; provavelmente este custo seria menor, porque há uma série de benefícios colaterais positivos que advirão do controle das emissões dos gases do efeito estufa e que passam por outros setores da economia onde os ganhos podem ser tão grandes que talvez o custo nem se apresente. Por exemplo, o fato de se ter menos usinas térmicas à carvão e mais geração eólica, resulta em menos poluição local na cidade, portanto, menos casos de internação hospitalar por asma. Os hospitais brasileiros teriam um custo menor por tratar de menos gente. E esse custo menor não está sendo abatido no custo a mais citado pelo IPCC ao mencionar a redução do PIB.
Mesmo que esses custos não fossem debitados no total, chegar a 2030 com o PIB 3% menor não é nada se comparado ao possível custo de não atuação. Há vários cenários que mostram que o clima da Terra está se alterando, que já há conseqüências irreversíveis e que o futuro seria de eventos climáticos extremos muito violentos, como verões mais quentes, inverno mais frios, ventos e chuvas mais fortes. Então, o dano econômico dos impactos ambientais advindos das mudanças climáticas vai ser superior ao possível custo de 3% necessário para combater o problema. Esta conta pode sair muito mais cara, de fato."