Edição 288 16 de março de 2010
Ilustração: Caio Monteiro |
Até que ponto histórias em quadrinhos (HQs) podem influenciar a formação de uma criança? No artigo “Violência na Turma da Mônica”, publicado pelo site do Observatório da Imprensa, no dia 23 de fevereiro, o jornalista Dioclécio Luz critica os quadrinhos de Maurício de Sousa. Segundo o escritor, os personagens da narrativa, além de reforçarem clichês, influenciam negativamente seus leitores-mirins.
Para Dioclécio Luz, a personagem Mônica, inspirada na filha de Maurício de Sousa, por exemplo, incita as crianças a recorrem à violência quando contrariadas. Nos quadrinhos, Mônica, sempre que se sente ofendida, agride os amigos com seu coelho azul, chamado Sansão. “Mônica é chamada de ‘dentuça’, ‘gorducha’ e ‘baixinha’. Isso a deixa irritada. E ela resolve, claro, na porrada (...) Tudo indica que a solução pela violência é o tema mais recorrente nas histórias em que a garotinha aparece”, diz o artigo.
Em tom crítico, o jornalista afirma ainda que Magali, por comer em excesso, e Cascão, por não gostar de banho, reforçam estereótipos negativos. Ele acredita que esses personagens trazem consigo motivos para discriminação, o que acaba por incentivar o bullying — atos de intimidação ou perseguição a colegas na escola. “O problema dos clichês nos personagens é que eles não existem fora disso. Cascão ou Magali (e a Mônica) não existem fora dessas suas ‘virtudes’. As observações, as visões do mundo, as ideias, as sugestões, tudo isso que dá personalidade a um personagem, não existe na Turma da Mônica”, observa Luz.
O texto causou revolta entre fãs inveterados das histórias de Maurício de Sousa. Já para Marlene Alves de Carvalho, professora da Faculdade de Educação (FE) da UFRJ, a crítica não deve ser levada tão a sério. A docente explica que HQs, bem como outros tipos de narrativas, como lendas, novelas e romances, não são capazes de influir na formação dos aspectos comportamentais das crianças. Na opinião da pesquisadora, especialista em Educação Infantil, o papel da Literatura é o de alimentar a imaginação dos pequenos.
Marlene ressalta que mesmo os antagonistas e vilões são importantes nesse processo. “Elas se identificam com os heróis não porque eles são bons, até porque elas admiram também os vilões. Esses são cruéis, mas respeitáveis, porque falam, de forma simbólica, de sentimentos, de medos e de situações de vida e de morte que as crianças conseguem entender. Elas preferem os mocinhos, no entanto, porque percebem que eles passam por lutas e dificuldades e, no fim, triunfam. Isso fornece à criança a esperança de que ela também pode vencer”, pontua.
A educadora rebate as críticas do jornalista sobre os personagens da Turma da Mônica. Segundo Marlene, Mônica pode ser um pouco mais “estourada”, mas, como contraponto, existem personagens mais suaves, doces e colaborativos nas histórias. “O papel da literatura infantil não é o de transmitir conteúdos curriculares, nem de passar lição de moral. Quem deve ensinar sobre alimentação balanceada ou os benefícios do banho não é a história em quadrinho. Literatura não é pra isso”, finaliza.