Ana Maria Monteiro

Diretora da Faculdade de Educação da UFRJ (FE/UFRJ)

Essas competições têm sido propostas e realizadas no âmbito de várias disciplinas, a matemática talvez tenha sido uma das primeiras, mas existem também olimpíadas de história e até mesmo de filosofia. Eu acredito que o objetivo dos autores dessas propostas seja no sentido de estimular, valorizar e, de alguma maneira, premiar os bons alunos, aqueles que estudam e se interessam. Mas me preocupa a repercussão disso e até que ponto o impacto das olimpíadas acontece de maneira mais geral no conjunto dos alunos das redes pública e privada, porque por um lado as propostas de olimpíadas são estruturadas e pensadas em cima da ideia de competição, de estimular os alunos através dessa competição e premiar os melhores.
Tenho algumas restrições em relação a isso. Acho que pode ser uma forma de investir na melhoria do ensino, mas certamente não é a única, nem a principal maneira de valorizar ou melhorar o ensino das escolas porque acaba formando e isolando certos grupos. Acho que não se pode pautar todo o ensino realizado nas escolas para atender a uma competição, uma olimpíada. A escola educa para formar os cidadãos, numa visão abrangente de domínio dos conhecimentos, de visão critica para a participação na sociedade da forma mais plena possível. E a olimpíada estimula aquele preparo, aquela ideia de jogo e de disputa com objetivo definido. Alguns grupos vão se envolver e se dedicar, enquanto outros certamente vão achar que não têm a menor condição e por isso nem vão se interessar, ou seja, não vão se sentir impactados por isso.

Eu não vejo que as olimpíadas repercutam ou promovam uma ação mais global de envolvimento com o aprendizado ou o ensino na escola. Acho que a gente precisa, na mídia e através das próprias redes, de canais que divulguem ações globais nas escolas, projetos pedagógicos que mostrem que a escola está desenvolvendo, como um todo, nas suas diferentes disciplinas, pelo conjunto dos professores, um trabalho com bons resultados. Acho que essa linha das olimpíadas individualiza e está educando para competir, eliminar o concorrente.

As escolas também recebem destaque com os resultados das competições. Lembro que houve uma olimpíada de história em que os alunos do Colégio Pedro II, que é um colégio público e federal, tiveram boas posições e aquilo repercutiu positivamente. Da mesma forma, as escolas e cursos divulgam as melhores colocações no vestibular. Isso sinaliza pra sociedade um bom trabalho, na medida em que há uma prova e os alunos se saem bem, mas do ponto de vista educativo mais amplo é reforçada essa visão de competição, que é presente na nossa sociedade. Mas acho que devemos induzir formas mais coletivas, solidárias, de trabalho em equipe, em que a escola se apresente fazendo uma ação transformadora importante, como, por exemplo, o desenvolvimento, no seu projeto pedagógico, de trabalhos de conscientização e educação ambiental. Ou então trabalhos que invistam na história da escola, em que os alunos investiguem e entendam quando, por que e em qual contexto foi criada aquela escola. Trabalhos desse tipo envolvem a escola como um todo e repercutem em novas ações.

Daniella Assemany*

Professora do Cap UFRJ

Todos os anos, o Cap UFRJ se envolve com a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, e nós, professores, consideramos muito importante a participação de nossos alunos como um estímulo ao desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático e do interesse em estudar Matemática. Além disso, com as olimpíadas esperamos que nossos alunos desenvolvam a capacidade de resolução de problemas, o que exige habilidades como criatividade, senso crítico, capacidade de síntese e generalização. Estas habilidades são cada vez mais necessárias no mundo de hoje, afinal se espera que os indivíduos sejam capazes de obter soluções ousadas e criativas em todas as áreas de conhecimento e aplicação.

Os problemas apresentados nas provas de Olimpíadas são uma grande fonte de situações não-convencionais, o que exige dos alunos não só o conhecimento matemático, mas a capacidade de aplicar estes conhecimentos em situações não- padronizadas. Do ponto de vista pedagógico, isto é muito rico, já que damos aos nossos alunos a possibilidade de trabalhar com os conteúdos de maneira transversal, quebrando as barreiras que parecem existir entre os diversos conteúdos. O conhecimento matemático é um só e a experiência com resolução de problemas permite aos alunos  compreender como as diversas áreas da matemática se relacionam.

É importante ressaltar que o foco do nosso trabalho não é a competição, ao contrário, é a cooperação. No CAp são oferecidas aulas especiais de resolução de problemas no contraturno. Desta forma, utilizamos as olimpíadas como uma "vitrine" para cativar os alunos para essas aulas nas quais a dinâmica é de cooperação e colaboração, o que agrega imenso valor à formação social dos alunos. Eles trabalham em grupo, orientados por um professor de matemática que tem a tarefa de auxiliar no seu desenvolvimento cognitivo, propor soluções alternativas e gerenciar o trabalho do grupo. Assim, cria- se um ambiente pedagógico adequado à troca de ideias e ao aprofundamento do conhecimento matemático em si.

Os alunos também não encaram as olimpíadas como uma competição, inclusive, torcem uns pelos outros. Não há valorização dos resultados, mas dos processos de aprendizado. Assim, com este enfoque, a experiência das olimpíadas gera bons frutos, já que mesmo os alunos que não participam das aulas extras muitas vezes se engajam na resolução dos problemas apresentados. Resolver problemas é ser desafiado a utilizar seus conhecimentos para vencer uma dificuldade. Muitos alunos sentem, nesse desafio, a oportunidade de se engajar nos estudos. 

Todos os professores da escola, isto é, não só os de Matemática, se envolvem com as Olimpíadas de Matemática das Escolas Públicas. No dia pré-determinado, os tempos de aula são reduzidos e das 11h às 13h30 todos os alunos do 2° segmento do Ensino Fundamental e do Ensino Médio resolvem a prova. Dessa forma, no dia da prova, a escola se modifica em função da OBMEP, o que, sem dúvida alguma, cria um ambiente adequado e de envolvimento. Além disso, os professores de matemática utilizam o resultado da OBMEP para bonificar seus alunos, o que também é bastante estimulante.

Nós temos alguns alunos premiados que recebem bolsas de estudos oferecidas pela organização da OBMEP. Alguns também são convidados para participar de um programa de preparação para outras Olimpíadas. No entanto, no CAp, não fazemos distinção dos alunos que se mostram acima da média nas olimpíadas. Obviamente, valorizamos seus resultados, mas estimulamos e nos envolvemos com todos os alunos interessados em participar das olimpíadas, mesmo que seus resultados não sejam os melhores. Esse trabalho faz parte de um projeto no qual ministramos aulas para os alunos interessados em resolução de problemas, além da realização anual de uma olimpíada interna de matemática, na qual premiamos os ganhadores com camisas, medalhas e outros brindes.

*Além de Daniela, três professores, Cléber Neto, Ulisses Dias e Priscila Dias, participaram dessa entrevista.