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Edição 210      01 de julho de 2008


De Olho na Mídia

Além do que se vê

Julia Vieira

imagem ponto de vista

Os adeptos do “eu só acredito vendo” podem se preparar para mudar seus conceitos até o final desta matéria. O Museu da Comunicação de Berna, na Suíça, organizou uma exposição que põe por terra a credibilidade das imagens fotográficas. A exposição “Imagens que mentem” é uma mostra de como fotografias foram adulteradas nos últimos 100 anos para manipular a opinião pública e como os veículos de comunicação e regimes totalitários usaram estas imagens a seu favor ao longo da História.

A fotografia, como registro real do ocorrido, tem papel fundamental para a imprensa, para os furos jornalísticos e, especialmente, para a opinião pública, já que as imagens têm grande poder de mobilização, ponto no qual caímos no velho jargão de que “uma imagem vale mais que mil palavras”.

Desde antes do surgimento da imagem digital e de programas de edição como o Photoshop e seus similares, a alteração de dados fotográficos já se apresentava como realidade. “A manipulação sempre existiu, mas antes era descolada de preocupações estéticas e ligada a questões ideológicas. O fascismo italiano, a China de Mao Tse Tung e a ditadura de Fidel são exemplos de controle ideológico da fotografia, que servia como forma de propagandear e manter o moral destes regimes”, avalia Dante Gastoldoni, professor de Fotojornalismo da Escola de Comunicação (ECO/UFRJ).

A partir dos anos 80 e do boom das imagens digitais teve início uma fase de verdadeira compulsão pela manipulação da fotografia. O que já se mostrava como realidade do meio se alastrou: a manipulação de imagens se proliferou e teve de ser freada, criando-se barreiras e limites de manipulação estética e ideológica. “A manipulação estética se mantém em alta, tanto como forma de criar obras de arte usando como base uma fotografia já existente ou como forma de eliminar e alterar imperfeições físicas, mas a adulteração com fins ideológicos vem sendo fortemente regulada”, afirma o professor.

A exposição de Berna mostra fotos da princesa Stefanie de Mônaco com diversos bebês diferentes em capas de revista, uma foto muito conhecida da princesa Diana com seu amante Dodi Al Fayed que insinua um beijo do casal, quando na foto original eles estavam apenas conversando. O acervo do Museu também inclui a famosa imagem do líder soviético Lênin com dois de seus companheiros, Kamenev e Trotski, que mais tarde foram removidos da fotografia por terem se tornado adversários políticos do governo soviético.

E, como Dante revela, a manipulação não deixa de acontecer. Recentemente, na Guerra do Iraque, o fotógrafo do Los Angeles Times, Brian Walski, manipulou duas fotografias. “Em uma das imagens um soldado americano apontava seu rifle para uma multidão de iraquianos. Na imagem seguinte, o soldado abaixava sua arma quando um pai se aproximava com seu filho no colo. Na imagem que Brian veiculou via-se um pai aproximando-se com seu filho pequeno no colo e o soldado americano apontando duramente seu rifle. Brian foi demitido do jornal, que se retratou publicamente”.

Outro caso recente aconteceu com a revista National Geographic que divulgou uma imagem adulterada das pirâmides e após retratação pública proibiu a manipulação de imagens de fotojornalismo. “Sempre que uma imagem é ligada a uma informação, a alteração de seu conteúdo é ilegal”, explica o professor.

Dentro de um veículo de comunicação, a manipulação de imagens não é proibida, mas os materiais a serem manipulados são restritos. “Um mesmo jornal que faz uma montagem na capa de seu segundo caderno, não pode utilizar estes meios em seu caderno de esporte ou política”, finaliza Dante Gastoldoni.

Manipulações e manipulações

A fotografia nunca foi imparcial e a manipulação sempre existiu, embora não fosse tão eficiente como nestes tempos de Photoshop. "O poder documental que se atribui à fotografia advém da percepção de que a imagem fotográfica é uma espécie de impressão digital do objeto fotografado, o que não necessariamente é verdade. A crença na força documental da fotografia diminuiu através dos tempos, sem jamais desaparecer", destaca Dante.

Não raro, a manipulação começa antes mesmo do momento do clic. Para o professor, a ideologia do fotógrafo transparece na seleção do assunto e passa pela escolha de lentes, abertura, enquadramento e exposição. O fotógrafo do jornal de oposição pode optar por fotografar o comício de perto, com uma grande angular de 20 mm, e fazer a praça parecer vazia; o fotógrafo do jornal da situação pode usar uma telefoto de 300 mm e, pela escolha do ângulo, comprimir a perspectiva para cercar o candidato de um mar de cabeças humanas. "Qual das fotos retrata melhor a realidade?", questiona o fotógrafo.

A manipulação também pode ser feita pelo editor de fotografia, através da escolha das fotos, dos cortes e pela justaposição de imagens que, isoladamente, contariam uma história diferente. Muitas vezes a manipulação da imagem é feita pelo fotografado. No Brasil, destaca-se um fato: Maluf agradecendo com as mãos para o céu e um sorriso no rosto as vaias que ouvia da multidão. Nas fotos e na TV parecia que estava sendo aplaudido.

- Toda foto é um recorte de uma realidade mais complexa, uma representação bidimensional de um mundo de três dimensões. Nesse ponto a fotografia não é diferente de um texto jornalístico. Pode-se mentir com ambos - finaliza Dante Gastaldoni.

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