Edição 175 11 de setempro de 2007
Que o Rio de Janeiro é uma cidade maravilhosa com pontos turísticos encantadores, não é novidade para ninguém. Acontece, por vezes, muita gente preferir aniquilar a beleza e explorar a pobreza. Você não deve estar entendendo nada, né?! Então, vamos lá. Quando digo “aniquilar a beleza e explorar a pobreza”, refiro-me a atividades turísticas voltadas à exposição de comunidades carentes do Rio ao olhar “espetaculoso” dos turistas – um exemplo disso é o “Favela Tour”.
Pego como pano de fundo da matéria, o “Favela Tour” suscitou uma discussão em torno da qualidade do turismo no Rio de Janeiro e uma dúvida sobre se ele é ou não devidamente explorado. Para discutir essa questão, convidamos as professoras Ângela Maria Gabriella Rossi (coordenadora geral da Pós-graduação em Engenharia Urbana da Escola Politécnica) e Patrícia Brandão Couto (professora associada do Laboratório de Etnografia Metropolitana do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais). Confira suas opiniões.
“No turismo do Rio de Janeiro ainda falta muita infra-estrutura. O problema não é ele estar pouco ou muito explorado, mas precisar ser explorado com qualidade. Por não ser especialista na área de turismo, não sei indicar precisamente os problemas. Mas como urbanista, atrevo-me a dizer um dos principais, que implicam no crescimento do turismo: são os urbanos. Esta não é uma ação isolada, é uma ação que deve ser conjunta, envolvendo os setores de transporte, segurança e turismo entre outros. Deveria haver um incremento das atividades turísticas, pois temos muito a oferecer em termos de cultura e natureza.
O setor turístico no Rio de Janeiro e no Brasil conseguirá caminhar de forma saudável quando houver uma melhoria nos transportes coletivos, mais segurança, menos trânsito e, principalmente, quando houver equilíbrio entre os transportes coletivos e os individuais. Os cariocas precisam da implantação de um plano diretor em transportes equiparativo dessa relação.
Falando dos pontos periféricos do Rio de Janeiro, esclareço, toda cidade possui dois lados: que o turista conhece e o que não conhece. No lado desconhecido o problema é grande, ainda mais no Rio, onde a baixa renda convive com a alta. A cidade é partida, mas não separada, isso, de certa forma, permite a atração do visitante a atividades como o “Favela Tour”. Não sei se essa atividade turística é um incentivo de setores privados preocupados em lucrar com a pobreza, exibindo o favelado como um animal; ou uma iniciativa da comunidade para gerar renda. Se for a segunda opção, acho super louvável.
Preocupa-me não saber se para configurar o “Favela Tour” foi preciso estabelecer alguma parceria com o poder paralelo nas comunidades, o tráfico. Infelizmente, as questões da favela sempre conjugam diferentes populações: os que ali moram por falta de solução e os traficantes. Gostaria de saber quem lucra com o Favela Tour. Pelo que tenho visto, essa atividade é uma iniciativa das próprias comunidades, logo são elas que lucram. Entretanto, tenho minhas dúvidas.
Li na revista GEO, italiana, uma matéria sobre o Brasil. Numa parte, o repórter citava o Rio e suas favelas como centros de solidariedade, em outra exaltava o universo cultural das comunidades carentes cariocas. Óbvio que isso apenas será percebido por alguém com o mínimo de cultura geral. Um visitante alienado jamais perceberá esse lado “cult” da favela. ”
“Antes de falar sobre o atual turismo no Rio de Janeiro, interessante é traçar um breve histórico dessa atividade na cidade.
Durante os séculos XVII e XVIII, perduraram as grandes viagens da aristocracia. A empresa do turismo ainda não havia surgido. Ela surgirá a partir de meados do século XIX, com circuitos pequenos: o custo das viagens ainda era alto e o esforço também. Nesse período, o grand tour, coisa dos aristocratas, começa a ser difundido pela burguesia e, mais tarde, pelo proletariado. Nesse momento, inicia-se a valorização do lazer. O turismo só vai surgir no Rio de Janeiro a partir da década de 20.
No Brasil, a cidade maravilhosa era o único foco e o grande eixo de contato com a Europa. No início do século, depois das reformas de Pereira Passos, o Rio passou a ter um certo ar de belle époque, ganhou glamour e chegou a cartão postal da metrópole tropical. Entretanto, nesse período ainda se tem um circuito turístico focado na região central. Ainda não se faz a exploração das praias.
O veraneio começou com a construção do Copacabana Palace, em 1923. Esse é o primeiro empreendimento voltado para o turismo, e é o grande marco no surgimento de atrativos na cidade. A cidade nesse momento é imaginada e representada sobre o prisma: natureza e cultura – cidade estruturada nos moldes europeus junto à exuberância da natureza.
No período pós Segunda Guerra, o Rio de Janeiro começa a ser visto através da música, das praias, da sensualidade e da cordialidade do carioca (nos guias de 1920, já se encontra referência à simpatia do carioca).
Nos anos 60 e 70 inicia-se uma exploração maior dos nossos pontos turísticos. O Corcovado e o Pão de Açúcar entre outros, ganham notoriedade e atraem atenções. Em contrapartida, os problemas sociais começam a aparecer por dificultarem a circulação dos turistas na cidade.
Nos anos 80, a imagem da sensualidade só aumenta graças a filmes representativos, expostos lá fora, reforçando o lado erótico do carioca.
A política turística do país nunca foi bem estruturada. Se a gente analisar o crescimento do turismo na costa brasileira, observaremos um crescimento desordenado – isso se retifica quando notamos as populações locais expulsas por conta da especulação imobiliária.
O turismo no Rio de Janeiro e no Brasil é mal planejado e isso contribui bastante para sua queda. O processo de erotização tem sido tão crescente ao ponto de os cartões postais somente retratarem as bundas das meninas na praia. O Rio tem inúmeras relevâcias que não são exploradas. Precisamos perceber que a cidade maravilhosa também tem a Floresta da Tijuca, o Maracanã etc., se ficarmos focados no erotismo, na violência e no tráfico só espantaremos o turista.
Essa coisa do “Favela Tour”, iniciado em 1990, procura mostrar um outro lado da cidade. Ainda estou em estudo desse fenômeno, mas a questão que mais me incomoda: os carros-safári e o retrato desumano do favelado.
O discurso inicial do “Favela Tour” era mostrar na favela um espaço produtor de cultura. Mas, ele se sustenta até hoje? O turismo é muito mercantilista, transforma tudo em mercadoria, em simulacro. "