Edição 214 29 de julho de 2008
O “Orla Digital” – projeto de internet banda larga sem fio (conhecido como wi-fi) e gratuita – foi inaugurado no último dia 22, em Copacabana, com trecho de cobertura inicial apenas entre a avenida Princesa Isabel e a rua Figueiredo Magalhães, mas com cobertura posterior prevista para toda a orla. Criado e desenvolvido pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE / UFRJ), o empreendimento foi financiado e implementado pelo governo do Estado do Rio de janeiro e, de acordo com o secretário de Ciência e Tecnologia, Alexandre Cardoso, em declaração à imprensa, esse é o maior sistema de redes já instalado na América latina. Existem planos de implantação do programa também na Baixada fluminense, e o governador Sérgio Cabral, na inauguração, já falou em cobertura digital do Estado, o que custaria aos cofres públicos cerca de 40 milhões de reais. O projeto, contudo, pode gerar uma série de vantagens econômicas, como o aumento de investimentos, a exemplo do que ocorreu na cidade de Piraí, no sul do Estado, com o programa “Piraí Digital”.
O Olhar Virtual conversou com Leonardo Pinho, pós-graduando da COPPE e coordenador da Equipe Técnica do projeto, e José Antônio Borges, professor do Núcleo de Computação Eletrônica (NCE / UFRJ) para entender melhor o funcionamento do “Orla Digital” e as implicações sociais, políticas e econômicas que envolvem esse projeto.
A idéia desse projeto surgiu de um alinhamento de três interesses distintos. O primeiro nasceu da disseminação do uso de redes sem fio pelo mundo, em particular daquelas com a tecnologia chamada "mesh". Nesta tecnologia, os rádios transmissores (pontos de acesso) cooperam entre si para formar uma rede com desempenho otimizado. O cenário rico que se estabelece neste contexto, repleto de questões do ponto de vista de pesquisa em redes de computadores, despertou o interesse do professor Luís Felipe Magalhães de Moraes, responsável pelo Laboratório de Redes de Alta Velocidade (RAVEL) do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação (PESC) da COPPE. Por outro lado, a simples disponibilização de uma rede, seja ela com ou sem fio, não resolve a questão. É necessário prover serviços inovadores nesta rede que enriqueçam a experiência dos seus usuários. Assim, buscando ir além da viabilização do acesso à Internet, surgiu o interesse de aproveitar a oportunidade para aplicar nesta rede um serviço complementar de acesso a vídeos sob demanda, em desenvolvimento no Laboratório de Computação Paralela (LCP) do PESC, pela equipe chefiada pelo professor Claudio Luis de Amorim, da qual faço parte como pesquisador pós-doutor. A idéia básica deste serviço é prover um tipo de "vídeo locadora eletrônica virtual", onde um acervo (com vídeos culturais, educacionais, lúdicos, entre outros) é disponibilizado aos usuários para acesso imediato, com qualidade superior aos disponíveis na Internet (como os do YouTube, por exemplo). Para completar, no final do ano passado, surgiu o interesse da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro em projetos de pesquisa que trouxessem benefícios para a população, alinhados com as tendências mundiais de universalização do acesso à Internet, visando cobrir todos os municípios até 2010. Portanto, esta união de interesses foi o embrião do projeto piloto batizado de "Orla Digital", ou seja, um ótimo exemplo de casamento da pesquisa aplicada de ponta com as estratégias de desenvolvimento do Governo.
A região escolhida para implantação do piloto foi avenida Atlântica, na praia de Copacabana, um cenário representativo para o estudo das questões associadas à implantação de uma rede "mesh" com serviço de vídeo sob demanda. Isto é, neste local as questões topográficas e de interferência geradas pela grande quantidade de redes sem fio já existentes, somadas ao grande potencial de uso tanto por cidadãos quanto por turistas, torna esta praia um excelente "laboratório a céu aberto" para validação de soluções inovadoras criadas na academia. Cabe dizer também que, do ponto de vista da segurança do local, devemos considerar que Copacabana está inserida em um contexto mais amplo, próprio da grande metrópole que é a cidade do Rio de Janeiro, de tal modo que eventuais problemas neste sentido serão inevitáveis e que ocorreriam em qualquer outro bairro onde uma rede do tipo fosse instalada. Por outro lado, a própria rede pode colaborar para uma solução, pois permite uma fácil instalação de câmeras de monitoração, o que, na verdade, pode causar uma inflexão no problema e colaborar para diminuir os índices de criminalidade na área de cobertura da rede.
Tecnicamente, a rede "mesh" está sendo implantada em Copacabana em duas fases. Na primeira (atual), os usuários podem acessar a rede entre a avenida Princesa Isabel e a rua Figueiredo Magalhães, preferencialmente no calçadão (inclusive nos quiosques) ou na calçada junto aos prédios (mesmo nos restaurantes). Para os usuários, a impressão é que existem duas redes, uma de acesso à Internet (rede Orla Internet) e outra para acesso ao serviço de vídeo (rede Orla Vídeo). Nesta primeira fase, apenas a rede de acesso a Internet está operacional e aberta, sem necessidade de cadastro do usuário no portal do projeto (www.orladigital.coppe.ufrj.br), que deve ser lançado nos próximos dias. Portanto, basta escolher a rede com o nome "Rede Orla Internet" dentre as diversas disponíveis na região e começar a navegar gratuitamente na Internet. Quanto o projeto entrar na segunda fase (prevista para o dia 12 de agosto), a cobertura da rede chegará ao restante da orla, contemplando inclusive a praça do Leme e o Forte de Copacabana. Neste momento, entrará em funcionamento um esquema de cadastro, de tal forma que apenas os usuários cadastrados conseguirão entrar na rede. Do ponto de vista de capacidade, esperamos atender com banda larga cerca de 200 usuários concorrentes em cada uma das quatro células "mesh" previstas (na fase atual, duas estão instaladas, totalizando 11 pontos de acesso, transformados em 22, no final da segunda fase). Dentre os mecanismos previstos para controle dos usuários, além do acesso por cadastro prévio, estamos também implementando controles por tempo de acesso e por quantidade de bytes trafegados (embora os limites ainda não estejam definidos).
Do ponto de vista de implicações econômicas e sociais, esperamos que a facilitação do acesso à Internet e aos serviços de distribuição de vídeo com qualidade trarão benefícios diversos. Desde a atração de um novo tipo de freqüentador para os quiosques e restaurantes da orla, passando pela criação de uma vitrine de divulgação de conteúdos culturais e educativos, serviços e eventos para os cidadãos e turistas, chegando até eventualmente a novos negócios e mudanças no cotidiano das pessoas, impossíveis de prever. Isso vale tanto para o projeto piloto em Copacabana como para os outros projetos, envolvendo implantação de redes sem fio, promovidos pela Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado, como é o caso do Baixada Digital, em execução por outra equipe.
O projeto da Internet gratuita, criado pelo Governo Estadual, é um investimento importante necessário, já que visa propiciar à população o acesso rápido e barato à Internet, que hoje proporciona muitas oportunidades de cultura e lazer, quase sempre na forma multimídia (misturando texto, fotos, áudio e vídeo), oferece comunicação rápida em texto, voz e imagem (através do correio eletrônico, telefonia pela Internet e vídeoconferência), e integra também o comércio e as atividades de utilidade pública, entre outras inúmeras aplicações. O projeto pode ser considerado uma ferramenta de democratização de acesso à Internet, que se tornou um bem público imprescindível, que já permeia a vida das pessoas e viabiliza uma interface muito efetiva entre as pessoas – e em particular com o próprio governo.
Acredito que o fato de Copacabana ter sido escolhida para receber o projeto, tenha sido uma decisão de ordem técnica e política, que não foi tomada apenas devido às características populacionais peculiares deste bairro (alta densidade populacional, muitos aposentados, muitos turistas), mas especialmente devido a fatores geográficos favoráveis somados ao fato de que sua orla foi recém reformada, o que deve facilitar na instalação da infra-estrutura de redes. Entretanto, não devemos considerar a medida como sendo exclusivamente voltada aos turistas, mesmo que seja inegável que há uma influência do fato de que eles geralmente usem telefones celulares com microcomputadores embutidos e laptops com acesso a Internet, para facilitar contatos e negócios. Além disso, o projeto pode, através da facilidade oferecida a esses turistas, reforçar a imagem de um Rio de Janeiro confortável e tranqüilo, uma preocupação que é muito forte entre os governantes.
A internet sem fio grátis é uma medida que deve ser considerada como uma vertente de outras ações políticas. Existe uma tendência, no Brasil e no mundo, que é conhecida como governo eletrônico, onde o cidadão e o governo interagem fortemente pela Internet. Essa interação pode se dar de muitas formas, tanto no acesso à burocracia que envolve o governo – como os pagamentos de contas via internet ou a consulta a processos, por exemplo – ou através de um controle mais complexo do indivíduo, que pode até envolver questões de privacidade – como a localização de uma pessoa através do registro do acesso que ela faz à Internet, ou mesmo a verificação das informações que ele acessa ou envia. Não há dúvidas, portanto, do interesse do governo para que o projeto se concretize plenamente e se expanda. Além de tudo, a garantia de acesso à internet a um número maior de pessoas permite um alcance mais extenso à informação e, dessa forma, é um incremento à cidadania.
É complexa a questão da segurança na implementação do projeto, tanto a segurança digital (ou seja, sobre os dados trafegados) quanto à segurança física (a garantia de que a pessoa não terá seu equipamento roubado). A garantia e controle da segurança pública é algo que deve ser bem implementado ou trará um impacto muito negativo ao projeto. Mas se deve ter claro que, no momento atual, o que está ocorrendo é uma experiência, uma tentativa de entender a miríade de detalhes que envolvem esta instalação e seus usuários – e a segurança é só mais um entre muitos fatores.
Pode-se também questionar se o projeto não é excludente, pois a maior parte da população não tem acesso a uma peça fundamental deste processo: um computador. Mas não se pode esquecer que está ocorrendo um grande barateamento destes equipamentos, e a incorporação das facilidades de comunicação à Internet até nos telefones celulares. Isso deve permitir a admissão de uma parcela maior da população no uso destas facilidades, o que deve ser acompanhado por um esforço de treinamento do cidadão comum – incluindo também das crianças – para permitir o uso pleno dessa tecnologia por todos.