Edição 182 30 de outubro de 2007
Na última quarta-feira, dia 24 de outubro, o Rio de Janeiro acordou chuvoso. E engarrafado. Na noite anterior, um deslizamento de terra havia interditado o túnel Rebouças, passagem pela qual trafegam, de acordo com dados da Secretaria Municipal de Transportes, cerca de 180 mil veículos por dia. A queda da barreira, somada às fortes chuvas, acarretou problemas no trânsito da cidade, gerando infortúnios para os cariocas. Muitos sequer conseguiram chegar ao trabalho.
Dentro de seu carro, parado no congestionamento, Maurício Ehrlich, professor do Programa de Engenharia Civil da UFRJ, recebeu, já às 9h da manhã, um telefonema. Do outro lado da linha, uma jornalista pedia ao pesquisador do Laboratório de Geotecnia para enumerar as possíveis causas do caos que se anunciava para a cidade. Durante toda a quarta-feira foram cerca de dez entrevistas. No dia seguinte, Ehrlich contabilizou mais cinco conversas com veículos de comunicação.
Entre as avaliações, a explanação sobre os perigos da ocupação desordenada das encostas foi o que causou, na opinião do professor, maior repercussão junto aos jornalistas: “Eu chamei a atenção para o fato de que a ocupação das encostas é sempre nociva. Se a ocupação é realizada de forma ordenada, com o apoio de engenheiros, consegue-se minimizar esse impacto, mas quando ela é desordenada, os danos são enormes e a população que vive ali passa a correr perigo”, narra. Ehrlich não acompanhou as suas declarações veiculadas pela grande mídia, mas assegura que primou pela imparcialidade nos comentários: “Não acho que questionei o papel do Estado, o papel dos moradores das encostas que não têm para onde ir ou o papel da Geo-Rio. Busquei colocar as coisas exatamente como elas são para cada um fazer a leitura que bem entender”, ressalta.
O pesquisador conta que problematizou a diminuição dos investimentos feitos pela Prefeitura na contenção de encostas nos últimos anos. De acordo com Ehrlich, a capital do Rio de Janeiro não tem registrado altos índices pluviométricos, o que induz os gestores da cidade a aplicarem menos verbas na área, destinando os recursos públicos para setores mais críticos, como a Saúde e a Educação. Quando questionado sobre o espaço dado pelos noticiários, jornais e revistas para a notícia do deslizamento e para os desdobramentos da interdição do Rebouças, Ehrlich é taxativo: “A mídia tem o papel de pressionar as autoridades e procura questionar o que elas estão fazendo em relação ao assunto. Eu acho que a mídia deve mesmo ter essa função de investigadora, pois pode fazer com que as coisas avancem”, opina.
O pesquisador entende, por exemplo, o fato de tragédias como a de janeiro de 2007, quando as chuvas castigaram a região serrana, deixando mais de 25 vítimas fatais e cerca de dez mil desalojados, ocuparem menos espaço nos jornais do que as adversidades causadas pelo deslizamento de terra no Rebouças. Segundo ele, por envolver um número maior de pessoas e por ter conseqüências sobre toda a extensão da cidade do Rio de Janeiro, o apelo jornalístico da interdição do túnel é maior.
Ehrlich finaliza lembrando que, a despeito da timidez pessoal, o pesquisador deve, sempre que possível, esclarecer a população através da mídia: “Às vezes, falamos sobre um assunto por meia hora, e eles [os jornalistas] divulgam apenas 30 segundos. Não raro, esquecem do nosso argumento fundamental e publicam apenas comentários acessórios. Existem pesquisadores que encaram isso como falta de seriedade por parte da mídia e preferem não participar. Eu, no entanto, acho que temos obrigação de interagir com a mídia”, completa.