Edição 310 31 de agosto de 2010
Ilustração: João Rezende |
Uma empresa de ônibus que realiza o trajeto Rio de Janeiro—São Paulo adotou um procedimento polêmico e anda constrangendo viajantes: a revista das malas e do passageiro com detectores de metais antes do embarque. A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) não apresenta regulamentação de tal procedimento euso de detectores de metais, não há legislação sobre o assunto. Então, qual pode ser a postura que o usuário do serviço de transporte rodoviário deve ter caso se sinta constrangido?
Segundo Daniela Ribeiro Mendes, procuradora do
Trabalho, membro do Ministério Público do Trabalho e ex-professora do departamento de Direito Social e Econômico da Faculdade Nacional de Direito (FND) da UFRJ, o uso de detector de metais não é proibido. “No Direito do Trabalho, o uso não viola a intimidade dos passageiros, desde que não seja feita utilização discriminatória” explica Daniela, em contrapartida o professor Michel Misse, professor do Departamento de Sociologia da UFRJ e coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, acredita que a ação é invasiva e desnecessária e “só deveria ser adotada em situações em que houvesse risco apurado ou denúncia”. Segundo usuários dos serviços, a empresa parte do pressuposto de que a pessoa é culpada e, no caso de alerta do detector de metais, a bagagem é encaminhada para o bagageiro, sem a possibilidade de ser levada no interior do ônibus.
A polêmica causa discordâncias e incômodo entre passageiros e especialistas no assunto: o uso pode ser considerado ilícito ou lícito, mas será que traz mais segurança? Pessoas podem carregar armas ou drogas e colocar todos em risco, mas sem regulamentação pode ser considerada uma invasão de privacidade. A seguir a opinião das especialistas Michel Misse e Daniela Mendes:
Michel Misse
Professor do Departamento de Sociologia da UFRJ e coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania
A vantagem é, supostamente, dar segurança aos passageiros, apreendendo armas de possíveis assaltantes que embarquem no veículo; a desvantagem é a invasão de privacidade e o incômodo que esse tipo de operação impõe aos passageiros.
Como em tantas outras coisas no Brasil, instaura-se uma prática e depois busca-se sua licitude. Não tenho conhecimento do assunto para poder responder se a prática pode ser considerada lícita ou ilícita.
Drogas não colocam passageiros em risco, armas, sim. Se for uma prática ilícita, pode configurar, sim, invasão de privacidade e a empresa pode ser processada.
Se os passageiros consentirem e as empresas considerarem que o custo compensa, é possível que surja regulamentação tornando obrigatória a prática. A meu ver, no entanto, ela é excessiva e só deveria ser adotada em situações em que houvesse risco apurado ou denúncia, mas não em todas as viagens. Talvez por amostragem fosse uma solução para o problema.
Daniela Mendes
Procuradora do Trabalho, membro do Ministério Público do Trabalho e ex-professora do departamento de Direito Social e Econômico da Faculdade Nacional de Direito (FND) da UFRJ
Como Procuradora do Trabalho que atua na área de combate à discriminação nas relações de trabalho, posso informar que aquilo que combatemos é a chamada revista íntima do trabalhador. Ou seja, todo o procedimento que atinja o corpo ou o prolongamento do corpo do indivíduo — como abertura de bolsas ou sacolas — é considerado violação da intimidade e, portanto, vedado pela constituição.
Assim, do ponto de vista do Direito do Trabalho, o uso de detector de metais, em princípio, não é vedado. É claro que não é possível a utilização seletiva do mecanismo, somente homens negros, por exemplo.
A utilização desse instrumento — fazendo uma analogia com o Direito do Trabalho — não viola a intimidade dos passageiros, desde que não seja feita uma utilização discriminatória dele. Do ponto de vista jurídico, é a avaliação que posso fazer.
Se isso irá trazer resultados positivos em termos de segurança, só o tempo nos dirá. A conduta da empresa em determinar a revista de bolsas — como acontece nos aeroportos — é que seria ilícita. Não creio que medidas como essas farão surgir leis específicas. Acho, sim, que a proximidade dos Jogos Olímpicos e da Copa (no Brasil) é que poderão trazer uma demanda de mais segurança.