Edição 220 09 de setembro de 2008
O livro Textos de discussão em Geopolítica e Gestão Ambiental de petróleo propõe um estudo da indústria petrolífera no atual cenário mundial. O tema é relacionado às preocupações ambientais, cada vez mais presentes nas empresas do setor, que espontaneamente vêm demonstrando uma tendência a adotar práticas sustentáveis.
A obra também busca refletir, entre outros assuntos, o porquê de os preços do petróleo estarem tão elevados e, ao mesmo tempo, tão desconectados dos seus custos de produção. Será culpa do refino? Do mercado chinês? Será pelo fato de que o petróleo irá mesmo acabar? Será talvez uma conseqüência da tal política ambiental nas empresas, que têm a possibilidade de gerar um diferencial no mercado através da reputação de “ambientalmente correta”? Mais ainda, será que o custo ambiental da exploração do recurso acaba sendo antecipado em seus preços?
A fim de discutir e tornar mais claros questionamentos como estes, o Olhar Virtual conversou com os organizadores da publicação – os professores Alexandre Szklo e Alessandra Magrini, do Programa de Planejamento Energético (PPE) da Coppe. O livro partiu da seleção e reunião de alguns trabalhos de diversos autores realizados nas disciplinas ministradas no curso de Doutorado do PPE-Coppe.
Olhar Virtual: Qual a origem e a temática dos artigos reunidos no livro?
Alexandre: Este livro deriva de estudos realizados ao longo de duas disciplinas de Doutorado, oferecidas no curso de Planejamento Energético da Coppe, chamadas “Mercado Internacional de Petróleo e sua Geopolítica” (ministrada por Alexandre) e “Gestão Ambiental da Indústria do Petróleo” (ministrada por Alessandra). A obra é composta, basicamente, por duas grandes partes, equivalentes ao que é tratado em cada uma dessas disciplinas. Ambas visam analisar as decisões implementadas pela indústria do petróleo, desde a perspectiva de mercado, da tecnologia e da energia até o viés ambiental.
Olhar Virtual: São abordados temas bastante abrangentes: a atual situação do petróleo no mundo, a questão ambiental e novas fontes de energia, entre outros. Como os assuntos foram organizados?
Alessandra: Na parte de gestão ambiental, os artigos falam sobre como as empresas do segmento petrólífero e petroquímico estão, ou não, incorporando a questão ambiental em suas estratégias, incluindo, por exemplo, um estudo específico da Petrobras. Neste caso – através de uma série de evidências, análises dos planos estratégicos e da realização de questionários junto à alta gerência da Petrobras –, foi estudada a percepção que a empresa vem tendo com relação às questões ambientais. Um segundo bloco de análise aborda a legislação ambiental brasileira e sua interferência nesse segmento de petróleo, além das questões do licenciamento ambiental, da localização de refinarias e da regulamentação do reuso da água, entre outras. Foi basicamente isso: de um lado, trabalhamos dentro da gestão ambiental com o que a gente chama de gestão ambiental privada, relacionada às empresas que, de forma espontânea, vêm incorporando a gestão ambiental na sua estratégia; e, de outro, analisamos como essa legislação, instrumentos da gestão ambiental pública, tem afetado a indústria do petróleo, mais particularmente o refino.
Olhar Virtual: Não parece contraditório o fato da indústria do petróleo, tão poluente, transmitir cada vez mais a idéia da preocupação ambiental?
Alessandra: Isso já é uma coisa antiga na indústria química. Quando a gente fala em gestão ambiental nas empresas, pensamos muito em ISO 14000, responsabilidade social etc. No entanto, a indústria química já vem fazendo o seu mea culpa há algum tempo. Na década de 70 e 80, uma série de acidentes deu à indústria química essa imagem pesada, de poluidora e, por isso, foi instituído um programa de atuação responsável feito em todo o mundo e incorporado pelas associações da indústria química dos vários países. Era uma espécie de código de conduta para resgatar essa imagem. Claro que, hoje, você tem uma sociedade muito mais sensível às questões ambientais. Na época que fiz Doutorado, meio-ambiente não era absolutamente visto dentro da gestão empresarial. Hoje, seguramente, é estratégico. Não podemos dizer que seja um comportamento homogêneo da indústria e ainda é difícil visualizar, por exemplo, o impacto de questões ambientais sobre a cotação das ações, mas, seguramente, a gente nota uma grande mudança.
Alexandre: A gente precisa tomar cuidado ao falar dessa contradição. As empresas de petróleo estão cada vez mais prestando serviços de alta tecnologia, então precisam ter reputação. A variável ambiental, em parte, garante a cadeia de produção. A questão do uso do derivado de petróleo é um paradoxo nosso, não da empresa de petróleo. A mesma sociedade que cobra da empresa um determinado código de conduta é a que fomenta o uso de carros. As grandes corporações do petróleo, de fato, trabalham com um produto, hoje, responsável por uma parte significativa dos impactos ambientais locais e globais. Só que uma boa parte desse impacto acontece no uso dos combustíveis e não na produção deles. Não é retirar das empresas a responsabilidade, mas a responsabilidade última pelo uso de derivados do petróleo é de todos nós.
Olhar Virtual: Como o livro mostra essa polêmica e quais são as principais questões levantadas?
Alexandre: De certa maneira, a parte inicial do livro vai mensurar esta situação: o mundo moderno vive, se alimenta e se molda por um produto que gera grandes impactos ambientais – o petróleo e seus derivados. Ele gera impactos na sua cadeia produtiva toda e, ao mesmo tempo, problemas geopolíticos muito grandes que evocam as perguntas da década de 1970: se o petróleo acabar, o mundo pára? O petróleo é importante para os alimentos, para os fertilizantes; ele é importante para carregar os alimentos, para o transporte das pessoas, para os plásticos. Será que o petróleo é realmente tão escasso assim? Um outro questionamento diz respeito ao preço. Por que é tão desconectado do custo de produção? Como essa desconexão evoluiu? Mais: quais são os mercados que permanecem demandando o crescimento do petróleo? Neste caso, é preciso entender bem a China e a Índia, por exemplo. Ainda: cada vez mais, exigem-se combustíveis de maior qualidade. Qual é o grau de dificuldade de se fazer esse combustível diante do fato de que não temos acesso ao melhor petróleo? Hoje, retornamos problemas antigos não resolvidos, como a questão da escassez e da divisão do mundo. Também temos problemas novos, tais como a questão ambiental, tratada não apenas como uma restrição, mas incorporada na estratégia da empresa como uma variável de valor. É preciso ficar claro que o objetivo principal de uma empresa de petróleo é encontrar petróleo. Tanto é que o Brasil e a Petrobras pararam com essa história de Pré-sal, porque é algo que tem uma grande possibilidade de agregação de riquezas.
Olhar Virtual: Extravasando um pouco o tema central do livro, você acredita ser necessária, então, uma mudança na cultura de consumo das sociedades?
Alexandre: Quando uma pessoa na China, no Brasil ou na índia aumenta sua renda, infelizmente ela compra um carro. A própria visão de crescimento, de desenvolvimento, é a de que as pessoas, quando têm renda, podem comprar um carro. Isso é quase o significado da emancipação, é sinal de status e bem estar. O petróleo, hoje, é essencial para as sociedades modernas e, mais ainda, para o indivíduo moderno. Atualmente, os derivados do petróleo voltaram a ser consumidos com uma taxa bastante acelerada, muito em função de uma determinada região do globo onde a taxa de crescimento dos derivados é elevadíssima. Então, por mais que se tenha o melhor carro e o melhor combustível do mundo, este padrão ocidental se tornará insustentável. O nível de motorização na sociedade é altíssimo – nos EUA, é da ordem de 800 veículos por mil habitantes; no Brasil, é algo da ordem de 200 veículos por mil habitantes; na Europa, 600 veículos por mil habitantes; e na China, 25 veículos por mil habitantes. Se a China tiver a taxa de motorização do Brasil, não precisa nem ser a dos EUA, será totalmente insustentável.
Olhar Virtual: Sobre essa questão da China, o que pode acontecer se o consumo de automóveis e combustíveis aumentar de repente?
Alexandre: Tudo na China cresce exponencialmente. Mas o consumo não vai crescer desesperadamente, porque a própria China vai encontrar alguns limites. Hoje, por exemplo, os preços dos derivados de petróleo são controlados no país, o que significa o seguinte: o valor da gasolina internacional não tem nenhuma relação com a gasolina que é vendida nos postos da China. O preço é definido através de transferência direta de dinheiro do governo para as refinarias. Um governo pode fazer isso quando tem superávit, o que é o caso, pois tanto o mercado interno quanto externo da China cresce muito, exportando muito para os EUA, inclusive. Eventualmente, uma desaceleração da economia americana fará com que a China exporte menos para os EUA, resultando em um superávit menor. Se ela tem um superávit menor, pode manter menos esse financiamento direto do consumo de combustíveis, o que é um pouco a lógica do capitalismo: uma bicicleta rodando – com os EUA em uma roda e a China em outra – e que não pode parar, senão cai. Muitos fazem vista grossa para a questão do custo sócio-ambiental na China, aqui entra a responsabilidade do consumidor ocidental. Ela vende muito e um produto muito mais barato do que os produzidos nos outros lugares, por vários motivos, desde a tecnologia utilizada até esta ausência de custo social e ambiental embutido nos produtos. Por mais que você seja uma bicicleta, isso tem um limite.
Olhar Virtual: Qual sua visão sobre este limite?
Alexandre: É preciso se perguntar o seguinte: qual é o preço do petróleo que faz com que o déficit do governo chinês, gerado pela transferência de dinheiro por subsídio em preço de derivados, se torne tão grande que comece a pesar no crescimento do PIB? O preço fica tão alto que esta situação artificial se torna insustentável do ponto de vista macroeconômico. A China não chegou nesse teto, mas a Índia está chegando. Lá, hoje, a transferência de dinheiro do Estado para o refinador equivale a 7% do PIB, é muito. Acho que cabe estudar com cuidado o caso da China, que provavelmente vai desacelerar o consumo de derivados.
Olhar Virtual: Afinal, o petróleo vai acabar?
Alexandre: No século XIX, um texto famoso de um economista britânico dizia que a Inglaterra estava sentada em uma pedra preta chamada “Rei Carvão” e que, quando ele acabasse, o país pararia e o mundo pararia junto, já que a Inglaterra era a “oficina mecânica do mundo”. O carvão não acabou, continua aí, mas deixou de ser tão importante. O que a gente chama de petróleo, hoje, não é o que a gente chamava de petróleo, 30 anos atrás. O petróleo Pré-sal não seria petróleo, 30 anos atrás. Areias betuminosas do Canadá não eram petróleo, 10 anos atrás. A pergunta não é tanto se há petróleo, mas sim se será possível, do ponto de vista ambiental, sustentar sua extração, seja pelos impactos de uso, seja pelo custo ambiental. Há muito petróleo no Canadá e na Venezuela; nos EUA, há muito petróleo de xisto, de péssima qualidade, que até hoje não se conseguiu transformar em algo comercial. Talvez haja muito petróleo, ainda, no Oriente Médio. Vai acabar? Sim, vai acabar, mas é mais provável que acabe economicamente e ambientalmente do que por esgotamento físico. É possível até que o petróleo se destine a usos mais nobres no futuro, como em fertilizantes e em plásticos avançados. Enfim, há uma contradição no mundo que é, de um lado, a necessidade de lidar com o problema do consumo e, do outro, a existência de uma grande infra-estrutura energética mundial que se beneficia deste grande consumo, gerando recursos incomensuráveis. Este mundo sem petróleo é pouco provável.