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Edição 318      4 de novembro de 2010


Olho no Olho

Fuga do isolamento

 

Vanessa Sol

 

Falar sobre surdez ainda é muito delicado. Atualmente, vem se consolidando a ideia da pessoa surda como alguém diferente e não deficiente. A surdez, nessa perspectiva, é vista apenas como condição que pode ser favorecida com a aquisição e o desenvolvimento da língua brasileira de sinais (Libras). Para o surdo, a Libras é língua materna, a primeira língua, e esta, assim como o português para os ouvintes, é capaz de lhe proporcionar desenvolvimento cognitivo, emocional e social, além de uma cultura surda, legitimada pela maneira como o indivíduo surdo irá perceber o mundo. Essa nova perspectiva contraria a visão histórica que compreende a surdez por um viés patológico e incapacitante.

Por outro lado, a surdez, se diagnosticada tardiamente, pode causar problemas emocionais, psicológicos, alterações de aprendizado e da fala. Mesmo havendo ainda muitos mitos e desinformação sobre a surdez, hoje, grande parte das pessoas pode encontrar uma solução adequada ao seu tipo de problema. Com um aparelho auditivo bem adaptado e prescrito por médico, pode-se ouvir de maneira satisfatória. Há profissionais da área de saúde que defendem a realização da cirurgia de implante coclear, conhecido popularmente como ouvido biônico, para alguns casos de perda auditiva. O implante coclear é indicado para qualquer pessoa que tenha uma surdez neurosensorial de severa à profunda e que, usando um aparelho auditivo convencional, não consegue reproduzir mais de 50% das palavras ouvidas.

Este tipo de cirurgia já está disponível no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF-UFRJ), que foi credenciado pelo Ministério da Saúde, por apresentar um projeto de alta complexidade em saúde auditiva e conta com uma equipe multidisciplinar.

Segundo dados da equipe do HUCFF, 2% da população brasileira apresentam surdez total, o que equivale a cerca de três milhões e meio de pessoas, e outros 20%, ou 38 milhões de pessoas, irão apresentar algum tipo de incapacidade parcial da audição em algum momento da vida.

Para ampliar o debate sobre o implante coclear, o Olhar Virtual entrevistou o professor Shiro Tomita, chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do HUCFF, e a professora Carolina Magalhães, que atua no Ambulatório de Surdez do Serviço de Fonoaudiologia do HUCFF. Confira a opinião deles sobre o assunto.

Professor Shiro Tomita

“A procura pelo implante coclear é grande. Entretanto, para haver a indicação é preciso que o paciente se submeta a uma série de exames para identificar se ele preenche os requisitos para a realização da cirurgia, que é recomendada para qualquer pessoa que tenha surdez neurossensorial de severa à profunda e que, usando um aparelho auditivo convencional, não consiga identificar e repetir acima de 50% das palavras ouvidas.

O implante pode ser realizado a partir de seis meses de vida, pois quanto mais precoce o estímulo auditivo, melhor será o resultado. O paciente precisa ter o nervo auditivo e a cóclea permeável para receber os eletrodos. Há casos em que ela está ossificada, o que não permite a realização do implante.

A cirurgia pode ser feita unilateral ou bilateralmente. A segunda opção, talvez, permita que a pessoa tenha melhor noção aeroespacial.

Um mês após o implante realizado, ativa-se o aparelho e depois começa o tratamento de reabilitação com fonoaudiólogos. Dependendo da pessoa, em um ano ele começa a falar e a ouvir. Seguramente, em três anos ele já está falando bem. É óbvio que vai ouvir  de maneira diferente.

Na opinião, é impensável você uma pessoa surda e não permitir que essa pessoa possa ouvir ou falar normalmente. Tem que ser dada a possibilidade de ouvir.”


Professora Carolina Magalhães

“A surdez é uma condição que faz com que a experiência de vida da pessoa se construa de uma maneira diferente. Eu não vejo a surdez como deficiência. Quando a criança surda nasce numa família também com surdez, ela não vai ter o estigma de deficiência nem vai se sentir como uma. Ela vai ter um desenvolvimento normal. O que pode acontecer é ela ter alguma dificuldade na alfabetização e nesse momento se deparar com a diferença que ela tem. Com isso, no contato com a comunidade ouvinte, ela vai se perceber como diferente, mas não pior. No entanto, o que acontece com 95% das crianças é que elas nascem em famílias ouvintes que não têm conhecimento sobre a surdez e que acabam vendo aquela criança como incapaz. Isso gera o estigma. Contudo, a surdez pode ser entendida como deficiência quando uma criança, por exemplo, por conta da privação linguística ficou com alteração cognitiva.

O implante, se não for feito com cuidado e orientação familiar, reforça a ideia do preconceito e passa para a criança que ser surdo é ruim e que se ela não ouvir está inadequada. Para os estudos sócio-antropológicos da surdez, essa é a grande crítica ao implante.

Outra questão que gostaria de levantar é o preço do implante. Temos que levar em conta que é apenas para alguns e não para todos, além disso, não resolve totalmente o problema da criança surda. Considerando isso, em termos de política pública, é preciso pensar no custo/benefício, que é muito alto. Uma escola apropriada com surdos e professores ouvintes fluentes em Libras dando aula é muito mais barato e atende a mais surdos que o implante coclear”.

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