Edição 181 23 de outubro de 2007
Para muita gente, a possibilidade de participar de um reality show representa a chance imperdível de ficar famoso, ser reconhecido nas ruas, ir a festas badaladas, estampar capas de revistas... Afinal, qual é o preço da fama? Vale tudo para ter reconhecimento social? A grande maioria dos candidatos a reality shows responde que sim. Por isso, muitos deles fazem verdadeiras loucuras em busca do corpo perfeito, desde dietas rigorosas para emagrecer até intervenções cirúrgicas para redefinir as formas.
Para entender por que as pessoas obstinadas pelo sucesso cultuam tanto o corpo, o Olhar Virtual conversou com Paulo Vaz, professor da Escola de Comunicação (ECO/UFRJ), que inclusive já participou do programa “Beleza comprada”, exibido pelo canal GNT. O reality show leva a público uma discussão acerca do comportamento de pessoas que, insatisfeitas com o corpo, desejam mudar a aparência física. Segundo o professor, “pensando nas práticas de poder da sociedade atual, o principal objetivo das transformações corporais é fazer com que o corpo seja simultaneamente jovem e bonito”. Confira a entrevista.
Olhar Virtual: Por que as pessoas abdicam da própria individualidade em busca de um corpo perfeito?
Paulo Vaz: Não tenho certeza se as pessoas abdicam da individualidade. Até podemos considerar que quando as pessoas modificam o corpo com alguma cirurgia estética, elas estão ficando parecidas com todo mundo. Mas não vejo como perda de individualidade, embora a busca pelo tipo ideal de corpo e de aparência demonstre uma tendência de homogeneização. Por outro lado, há a tentativa de se construir um corpo belo em busca do reconhecimento social. Existe uma expressão arcaica, que os olhos são uma espécie de espelho da alma. Cada vez mais, na nossa cultura, a aparência física é atribuída de valor, não só porque deve ser bela, mas também porque significa cuidado e saúde. Como crença cultural, boas pessoas são aquelas que sabem se cuidar prolongadamente e têm um corpo belo.
Olhar Virtual: As pessoas modificam o corpo por que se sentem insatisfeitas?
Paulo Vaz: Não. Posso fazer uma alusão ao historiador francês Georges Vigarello, dizendo que a beleza é democratizada, mas a gordura não. As pessoas podem ser bonitas em seus diferentes modos, não importa a qual etnia pertençam. Há, sim, um padrão de beleza estabelecido pela sociedade, o biótipo da mulher branca, magra, loira e ocidental. Geralmente, as pressões estéticas são maiores sobre as mulheres. Nos meios de comunicação, cria-se uma espécie de modelo de beleza a partir do qual se tem a impressão de que todos estão olhando para seu corpo. A Psicologia explica que as pessoas têm um “ideal de ego” na mente, olham para o próprio corpo e tentam mudar por cirurgia, por exercícios físicos ou por regimes alimentares. Assim, doenças como anorexia e bulimia decorrem desse processo, porque a pessoa não é gorda, mas se vê como tal.
Olhar Virtual: Como a filosofia analisa essa questão?
Paulo Vaz: Do meu ponto de vista, existem duas problemáticas na análise filosófica desse assunto. A primeira diz respeito ao desejo de ter um corpo absolutamente controlado pelo pensamento. Na verdade, essa dominação total não ocorre, porque o corpo também é capaz de lançar questionamentos à consciência. A segunda reside na relação dos cuidados com o corpo — principalmente com a saúde — a um esforço desesperado para não morrer.
Olhar Virtual: De que forma a mídia pode atuar para valorizar todos os tipos de beleza?
Paulo Vaz: Acredito que já temos nos meios de comunicação demonstrações claras dessa tentativa de valorizar todas as formas de beleza, a exemplo de propagandas com mulheres que fogem do padrão estético estabelecido pela sociedade. Entretanto, a mídia não é a única agente nesse processo. Também atuam diversas práticas sociais, a medicina e a sexualidade, por exemplo. Muitas pessoas vão à academia não para se satisfazerem com a modificação do corpo, mas com a intenção de conseguirem um parceiro sexual.
Olhar Virtual: Qual a importância de se discutir os exageros de cuidados com o corpo na contemporaneidade?
Paulo Vaz: O problema não é o exagero de cuidados, mas o tipo de procedimento de que a pessoa adota em relação ao corpo. São bastante relevantes para a ética as práticas que nós escolhemos para cuidarmos de nós mesmos, visto que existe uma certa estreiteza entre o corpo e a consciência.