Edição 171 14 de agosto de 2007
Próxima de completar 70 anos de existência, a União Nacional dos Estudantes (UNE) buscou uma parceria com a Fundação Roberto Marinho, a Rede Globo e o Museu da República para elaborar um projeto de resgate da memória histórica de suas lutas político-sociais no Brasil. Em uma primeira etapa, com patrocínio da Petrobras, foram realizadas 100 entrevistas com militantes da UNE — inclusive ex-líderes como José Dirceu e José Serra — e coletados diversos materiais que dizem respeito à luta estudantil no país. O passo seguinte foi o uso desta intensa pesquisa na criação de dois média-metragens, por Silvio Tendler, e de um livro. Assim surgiu o Memórias estudantis 1937-2007: da fundação da UNE aos nossos dias, obra da escritora Maria Paula de Araújo, pesquisadora e professora do Departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Especializada na História dos Movimentos de Esquerda e da Política Contemporânea da América Latina — especialmente, do Brasil —, Maria Paula desenvolve diversas linhas de pesquisa nesta área, além de coordenar um programa de resgate de depoimentos orais dos muitos protagonistas que integram a evolução dos movimentos de esquerda, entre eles, militantes e associados da UNE.
Seguindo esta tendência de estudo, a pesquisadora lançou, em 2000, o livro A utopia fragmentada. As novas esquerdas no Brasil e no Mundo na década de 1970, em que dissertou a respeito das minorias políticas — tais como as mulheres, os negros e os homossexuais —, tentando resgatar a chamada “esquerda alternativa” da época analisada. Foi autora também do capítulo Estratégias de resistência e memória da luta contra o regime militar no Brasil (1964-1985”, no livro O Golpe de 1964 e o regime militar: novas perspectivas”, lançado em 2006.
Maria Paula foi militante junto a UNE no período de 1974 a 1979, época em que o Brasil passava pela redemocratização após a Ditadura Militar. Este é um dos motivos pelos quais a escritora revela como foi gratificante o processo de construção de seu último trabalho. Perante a identificação que a pesquisadora tem com esse capítulo da história brasileira, ela destaca que tentou “ao máximo refletir no livro o prazer que senti ao ler as entrevistas realizadas pela parceria da UNE no projeto. São depoimentos muito ricos, que revelam detalhes interessantes da história da militância estudantil”.
Segundo a autora, a produção da obra Memórias estudantis 1937-2007: da fundação da UNE aos nossos dias foi intensa. “O prazo foi curto, diferente do tempo que tenho para desenvolver minhas pesquisas e escrever os artigos. Recebi o convite no final do ano passado, em janeiro de 2007 tive acesso às entrevistas e, em julho, o livro foi entregue para os últimos ajustes”. Para a análise do material cedido pela UNE, Maria Paula foi auxiliada pela estudante bolsista Diana Sobreira Barros, que, inclusive, está montando uma monografia a respeito do tema central do livro.
A especialista explica, ainda, que buscou escrever dentro de uma abordagem capaz de captar um público mais amplo. “É uma obra de divulgação do movimento estudantil, tem um caráter didático, mas não é puramente acadêmico. Não quis restringir a leitura somente para quem é historiador ou associado da UNE. Portanto, procurei incluir no livro elementos de identificação, detalhes que permitam às pessoas, mesmo as não-militantes, reconhecer nos depoimentos um pouco da própria experiência universitária, desse período da vida”.
Maria Paula definiu como principal objetivo da obra fazer um registro de uma história muitas vezes marginalizada nos relatos oficiais a respeito do Brasil. “Vemos muito, principalmente na análise histórica da política nacional, dar-se ênfase à luta e às influências dos grandes partidos. Raras exceções, os esforços do movimento estudantil são incluídos somente em notas de pé de página. O meu livro é uma tentativa de reverter isso, e pôr o empenho engajado dos estudantes como protagonista na evolução político-social brasileira. E os depoimentos recolhidos têm grande importância nisso, porque revelam detalhes ricos da história que tendem a ficar meio esquecidos”.
Dedicada à análise dos movimentos de esquerda e das lutas populares no Brasil, Maria Paula considera Memórias estudantis 1937-2007: da fundação da UNE aos nossos dias, uma continuidade de seus estudos. “Acredito que a História geral é construída por várias pequenas histórias pessoais, pela experiência de cada um, por vidas. Por isso, sempre considerei importante mesclar os relatos oficiais com os depoimentos de quem viveu os episódios históricos. Neste sentido, escrever este livro foi, além de tudo, um verdadeiro exercício para mim” — finaliza a pesquisadora.