Edição 182 30 de outubro de 2007
“A aceleração dos deslocamentos ‘desmaterializa’ o território construído.” Esse trecho faz parte da obra Forma e Movimento, do professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU/ UFRJ), Cristóvão Duarte, debatido na última quinta-feira, 25 de outubro. Na obra, o autor aponta como principal fator de aceleração no movimento do território a introdução do automóvel particular e sua utilização em larga escala, construindo, desta maneira, um ambiente hostil e competitivo entre aqueles que habitam o espaço urbano.
A construção da cidade contemporânea sobre os destroços deixados pela cidade moderna dá lugar a uma cidade segregada, onde ricos e pobres ocupam espaços delimitados por fatores sociais e econômicos.
No entanto, o autor assinala uma nova direção frente tal perspectiva: a desaceleração da circulação motorizada e sua tentativa de domesticação através de práticas sócio-espaciais. De acordo com Duarte, o quadro de aceleração pode ser revertido e a cidade pode ser transformada numa cidade para todos sem distinções sociais e econômicas.
Em entrevista ao Olhar Virtual, o autor explicou os motivos que o levaram a pesquisar as formas de circulação na cidade contemporânea e analisar os processos implícitos a ela.
Olhar Virtual: Qual é o projeto de cidade que se insinua em seu livro?
Cristóvão Duarte: O livro contém uma síntese da minha tese de doutorado no IPPUR-UFRJ. O meu objeto de estudo é a circulação urbana. Minha proposta é tentar entender a circulação como esse movimento incessante que anima as cidades e participa da constituição da vida urbana. Estudei a circulação urbana ao longo da história das cidades: na cidade tradicional, que andava na velocidade do caminhar e na cidade moderna, que viu surgir a circulação motorizada no bojo do processo de industrialização. Por fim, tento fazer uma análise de determinados processos em curso na cidade contemporânea com relação à circulação. As conclusões apontam na direção da desaceleração do movimento, através de práticas sócio-espaciais que buscam a domesticação dos fluxos acelerados da circulação motorizada.
Olhar Virtual: Que práticas sócio-espaciais são necessárias à construção do modelo de cidade que você propõe no livro?
Cristóvão Duarte: A circulação motorizada representa uma grande violência contra a vida urbana. E o que é mais grave, trata-se de uma violência consentida e naturalizada. É preciso questionar as causas deste processo e combater seus efeitos perversos sobre o cotidiano vivido de nossas cidades.
Olhar Virtual: É possível transformar o Rio de Janeiro numa cidade para todos, tendo em vista o seu processo de urbanização desordenado? Como isso pode ser feito?
Cristóvão Duarte: A primeira providência é construir um sistema de transporte coletivo de massa acessível a todos. A cidade não pode ficar refém do transporte individual. Assegurar o direito de ir-e-vir é fundamental para se reduzir a desigualdade social no espaço. A mobilidade é uma forma eficiente de inclusão social.
Olhar Virtual: Que forças devem ser mobilizadas para a construção desse modelo de cidade? Existe a necessidade de integração entre as ações do Estado e da sociedade civil?
Cristóvão Duarte: Nada se fará sem a participação da sociedade. É ela que deverá apontar os caminhos a serem seguidos. O processo de redemocratização da sociedade brasileira, ao contrário do que alguns querem acreditar, vem contabilizando muitas conquistas importantes nestes últimos 20 anos. A sociedade civil vem se organizando e conquistando direitos. O povo brasileiro vem fazendo a sua parte e isso já é meio caminho andado. Temos um cenário muito favorável para construirmos juntos uma cidade mais justa e mais solidária. Cabe aos poderes públicos instituídos fazerem também a sua parte e abrirem canais de participação efetiva para que possamos encontrar as soluções adequadas e implementá-las.