Edição 320 17 de novembro de 2010
Criado em 1998 para avaliar o conhecimento dos estudantes egressos do Ensino Médio, o Enem nasceu com caráter voluntário e pouco apelo junto aos estudantes. Esse quadro mudou quando o exame passou a ser utilizado pelo Programa Universidade para Todos (ProUni), do Governo Federal, como critério de seleção para bolsistas. A partir de então, o Enem alavancou o número de inscritos e cresceu em importância.
Em 2009, o Ministério da Educação apresentou a proposta de unificar todos os vestibulares públicos federais em um novo Enem. O número de questões objetivas aumentou de 63 para 200 e a redação foi mantida, o que fez com que a prova tivesse de ser aplicada em dois dias diferentes, seguindo os moldes da maioria dos vestibulares tradicionais. O objetivo do MEC com essa iniciativa era democratizar as oportunidades de acesso às vagas no Ensino Superior.
Entretranto, com a nova fórmula vieram os problemas. Ano passado, o Enem teve de ser cancelado devido ao furto dos cadernos de prova por um dos funcionários da gráfica responsável pela impressão do Exame, conforme denunciou o jornal O Estado de S. Paulo. Este ano, os alunos foram prejudicados por um erro de impressão no caderno de provas amarelo do Enem, que estava com a ordem das questões invertida em relação à folha de respostas, levando os estudantes a responderem às questões de maneira errada. Seriam essas falhas evidências de que o Exame ainda não está pronto para assumir o papel de principal vestibular do país?
Para comentar o método de avaliação utilizado pelo Enem e repercutir suas falhas, o Olhar Virtual desta semana ouviu o professor da Escola de Educação da UFRJ, Marcio da Costa.
Olhar Virtual: Qual é a sua opinião sobre o modelo de prova que o Enem utiliza? É melhor que o vestibular tradicional?
Marcio da Costa: O modelo adotado pelo Enem ainda não é o ideal, no entanto, é melhor que os vestibulares tradicionais. Supera inclusive o modelo discursivo da UFRJ, pois não é possível ter critérios claros de correção neste tipo de prova. As questões do Enem são orientadas pelo método de resposta ao item, que resguarda a qualidade de aferição do conhecimento dos alunos. O Exame ainda precisa de ajustes, mas está no caminho certo.
Olhar Virtual: Desde 2009, o Enem passou por uma reforma e foi incorporado por diversas universidades federais como parte de seus processos seletivos ou mesmo os substituindo. O senhor acha que essa foi uma boa medida para democratizar o acesso ao Ensino Superior?
Marcio da Costa: Depende de que forma analisamos essa democratização. Um aluno que tinha uma vantagem competitiva no modelo antigo mantém essa vantagem no novo Enem, não há uma equalização da capacidade dos candidatos. O que aconteceu foi uma facilidade maior para pessoas que moram em áreas mais distantes prestarem vestibular para as grandes universidades do país, ou seja, passamos por um processo de descentralização das vagas. Só que ainda esbarramos no problema da logística de aplicação das provas, pelo próprio porte do Exame.
Olhar Virtual: E qual seria uma solução possível para esses problemas de logística?
Marcio da Costa: Um progresso viável nesse sentido seria oferecer vários testes durante o ano, conforme acontece no caso do SAT (exame utilizado pelas universidades americanas como critério de ingresso). Outra alternativa é a serialização do teste, que poderia ser aplicado ao longo do Ensino Médio.
Olhar Virtual: Nos dois primeiros anos do novo Enem houve problemas na aplicação das provas. Em sua opinião, isso abala a credibilidade do exame?
Marcio da Costa: Sim, mas esse é um abalo do exame junto à opinião pública, que acaba causando um clima de insegurança entre os estudantes. Entretanto, no âmbito técnico, no que concerne à concepção do exame, essas falhas não atrapalham. E isso deve ser frisado, pois não podemos retroceder ao vestibular tradicional, que é um modelo ultrapassado. Os responsáveis pelas falhas prejudicaram materialmente e emocionalmente o exame, e por isso a punição a essas pessoas deve ser dura.