Edição 154 12 de abril de 2007
Há muito a Antropologia brasileira ultrapassou os marcos dos estudos etnográficos convencionais, que priorizavam grupos coesos e isolados. O livro de Adriana Piscitelli, pesquisadora da Universidade de Campinas (Unicamp), recentemente publicado pela coleção Etnologia da Editora da UFRJ, é um exemplo admirável desse esforço para, alargando o escopo das reflexões da disciplina, enfrentar questões cruciais como as de gênero e de parentesco em sociedades contemporâneas.
A partir da análise das narrativas familiares e das complexas redes de parentesco tecidas por quatro dos maiores conglomerados capitalistas brasileiros – os grupos Matarazzo, Lundegren (Pernambucanas), Sadia e Pão de Açúcar – Piscitelli discute relações entre gênero, parentesco e personalidade empresarial. De forma mais complexa que as confortáveis associações entre família e feminilidade, de um lado, e entre negócios e masculinidade, de outro, os relatos da trajetória desses grupos mostram como as marcas de gênero invadem e perpassam a esfera supostamente neutra das decisões empresariais, em especial nos momentos dos conflitos sucessórios. Dessa forma, a noção de gênero recorta o de relações de parentesco, distinguindo e hierarquizando homens e mulheres, tanto no mundo dos negócios quanto no da família.
A obra está organizada em duas partes, antecedidas por uma densa introdução em que são discutidas e confrontadas as formulações antropológicas do conceito de gênero, originadas em larga medida como aportes dos movimentos feministas. A primeira parte se organiza em torno dos relatos biográficos e autobiográficos dos fundadores daqueles quatro grupos empresariais que são objeto da pesquisa. Já a segunda analisa as narrativas em que esses conglomerados se auto-apresentam (e, portanto, se auto-representam) em publicações corporativas ou que circulam, mais ou menos espontaneamente, nos meios empresariais; bem como examina relatos de mulheres integrantes dessas famílias, com participações diferenciadas nos negócios das empresas. Por fim, na conclusão, é retomada a discussão das relações entre gênero e parentesco, conforme delineadas nas histórias daquelas famílias.