Edição 316 19 de outubro de 2010
Há décadas, o aborto vem sendo discutido pelos brasileiros. Nas últimas semanas, entretanto, o assunto ganhou novo fôlego. Revistas, jornais e emissoras de televisão passaram a abordar o tema que se transformou num dos pontos do debate eleitoral entre Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), candidatos à Presidência da República. Dilma firmou acordo com lideranças religiosas se comprometendo a não alterar a legislação atual que criminaliza a prática. Serra enfatizou, em propaganda eleitoral, a posição de proteger a vida intrauterina a qualquer custo.
A legislação brasileira sobre o assunto data de 1940 e só permite o aborto em casos de estupro ou quando a mãe corre risco de morte. No mais, a prática é considerada crime, com pena prevista de 1 a 3 anos de detenção. A lei afasta o Brasil dos países mais desenvolvidos, que, em sua maioria, já possuem dispositivos legais para regulamentar a interrupção da gravidez. Com raras exceções, os países da Europa e da Ásia tendem a autorizar, variando apenas o período limite de gestação para a prática do aborto. Em contrapartida, África e América do Sul ainda mantêm leis proibitivas. Mesmo assim, Colômbia, Peru, Argentina e Uruguai estão à frente, pois permitem o aborto para preservar a saúde física ou mental da paciente.
Apesar da proibição, o procedimento é uma realidade cruel para muitas mulheres. Segundo a Pesquisa Nacional do Aborto, realizada pelo Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis) e a Universidade de Brasília (UnB), uma em cada cinco brasileiras de 40 anos (22%) já fez, pelo menos, um aborto. 55% delas precisaram ser internadas por causa de complicações na cirurgia. O estudo, que entrevistou 2.002 mulheres entre 18 e 39 anos, foi divulgado em maio deste ano.
A discussão se divide em dois grupos distintos: aquele que defende a vida intrauterina e se posiciona contrariamente à descriminalização do aborto e aquele que, visando a preservar a vida das mulheres que se arriscam para interromper a gravidez, acreditam ser dever do Estado assessorar as mães que não desejam ter filhos. Para fomentar o debate, o Olhar Virtual entrevistou Anna Marina Barbará, professora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs) da UFRJ, e Rose Santiago, diretora do Centro de Reestruturação para a Vida (Cervi), ONG que, há 10 anos, oferece assistência a mulheres que enfrentam gravidez indesejada.
Anna Marina Barbará
O aborto é um direito que a mulher deveria ter garantido na Constituição. Ninguém faz um aborto de forma tranquila. É uma atitude de emergência que as mulheres tomam em determinadas situações. É um processo interventivo, violento, que envolve uma série de questões subjetivas referentes à maternidade.
Criminalizar e proibi-lo não evita que as pessoas o façam. Esse é um argumento reacionário. O aborto é uma questão de saúde pública. Pesquisas apontam para um número enorme de abortos clandestinos realizados pelo Brasil a fora, com grande mortalidade feminina.
Apesar de ser ilegal, todo mundo sabe que existem clínicas clandestinas que cobram caro para fazer aborto, então não é qualquer mulher que pode pagar pelo procedimento. A mulher pobre não tem acesso a esses locais. Muitas vezes, tentam fazer aborto sozinhas ou caem em algum lugar sem qualquer condição de higiene. Se o Estado legaliza ou descriminaliza o aborto, dá o direito à vida àquelas mulheres que não possuem acesso à rede privada clandestina de saúde.
Já que a maior parte das discussões acerca do aborto coloca em pauta a defesa da vida, a ideia é que se defenda a vida da mulher. Acho complicado colocar uma vida que é ainda intrauterina acima da vida da mulher.
Rose Santiago
Trata-se de duas vidas, tanto da gestante quanto do nascituro e ambos correm risco no caso do aborto. Por mais difícil que seja a situação, a mulher, “mesmo que tenha o direito de escolha sobre o próprio corpo”, não tem o direito de escolha sobre o que vive ou morre.
O Brasil, hoje, é o décimo país no ranking mundial com o maior número de abortos. As estatísticas mostram que sua descriminalização triplicou nas nações que aprovaram legislações favoráveis à prática. No México, por exemplo, em agosto de 2008, o aborto foi descriminalizado. Atualmente, existem mulheres com nove meses de gestação esperando na fila para abortarem. Portanto, não creio que seja esta a solução que precisamos.
No entanto, nada do que se faça no negativo produz bons frutos. A proibição e a criminalização são fatores que produzem no ser humano um sentimento muito negativo e geralmente levam-no a uma reação contrária, por isso a melhor forma de evitar qualquer problema ou mal é a prevenção. A descriminalização do aborto não resolveria, ainda mais com saúde pública que temos. O capital gasto no aborto poderia muito bem ser aplicado na melhoria do planejamento familiar e na educação da população quanto a isto.