Edição 335 27 de abril de 2011
Ilustração: João Rezende |
O professor Marcelo Paixão, coordenador-geral do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser), do Instituto de Economia (IE-UFRJ), lançou o Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2009-2010 . Para divulgar a obra, resultado de dois anos de pesquisa, o pesquisador apresentou aos jornalistas, no último dia 19, no IE-UFRJ, os principais indicadores do trabalho.
O objetivo do relatório é analisar a evolução das desigualdades de cor ou raça desde a Constituição de 1988, marco para a pesquisa, e verificar a efetiva capacidade dos dispositivos constitucionais em reduzir tais assimetrias no Brasil. Para realizar o estudo, foram utilizadas diversas bases de dados relacionados a aspectos da realidade brasileira e que continham a variável cor ou raça, como os números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), além de dados do Ministério da Saúde. Segundo Paixão, o eixo proposto pelos autores é a seguridade social.
O professor destacou a importância do ano de 1988, pois marcou a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), principal via de acesso da população negra à saúde. O estudo constatou que a taxa de não atendimento chega a 27% para os negros e pardos, enquanto que, para os brancos, fica em torno de 14%. A taxa de não atendimento refere-se ao cálculo de quantas pessoas procuraram o SUS e não foram recebidos ou então precisaram do serviço e, por um motivo alheio à sua vontade, nem mesmo o procuraram. “Sendo bem objetivo, o SUS contribuiu para redução da desigualdade? Contribuiu. O SUS consegue, hoje, convincentemente ter atendimento universal? Não. E não tendo, quem são os principais prejudicados? A população preta e parda. Esse dado cria uma necessidade de uma reflexão específica sobre o significado da Constituição”, afirma Paixão.
Planos de saúde
As estatísticas comprovam também que a população negra tem acesso aos planos de saúde privados de pior qualidade. De acordo com Paixão, a universalidade – prevista no texto da Constituição – não é alcançada. “Não apenas os dados não confirmam essa intenção, como temos bons motivos para acreditar que, dentro das políticas do Ministério da Saúde, tal medida está longe de ser uma prioridade”, analisa o docente.
Em relação à saúde sexual e reprodutiva, Paixão destaca a taxa de recorrência à laqueadura, de quase 30% entre a população negra feminina. “Verificamos que há uma maior intensidade dessa técnica e, também, um percentual de mulheres que se dizem arrependidas desse procedimento. Chama atenção porque a laqueadura, como técnica de planejamento familiar, em demografia, é uma das técnicas chamadas de ‘controlistas’, ou seja, que visam, entre aspas, erradicar o problema pela raiz”, pontua o professor.
No capítulo que aborda assistência social e segurança alimentar e nutricional, o enfoque foi estudar a repercussão do programa Bolsa Família na alimentação das famílias negras. Rosana Salles-Costa, uma das co-autoras do estudo e professora do Instituto de Nutrição Josué de Castro (INJC-UFRJ), abordou outros pontos importantes da pesquisa. “Um quarto das famílias chefiadas por negros depende do programa. Com a transferência de renda por parte do governo, essas famílias podem comprar alimentos que normalmente não compram pelo fato de os considerarem caros, como café, leite e biscoito. A relação que observamos foi o tripé custo, saciedade e preço”, explicou.
Atendimento jurídico
Em relação ao acesso ao Poder Judiciário e às demandas judiciais sobre crime de racismo, Cléber Julião, professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), autor de um dos capítulos da obra, observa que há uma substancial ausência de dados, impedindo o incremento de políticas raciais. “O Judiciário está parado e o aumento de processos não é proporcional ao êxito das vítimas, pois falta qualificação. Não se trata do tema no espaço universitário”, afirmou Julião.
Paixão enfatizou que os princípios determinados na Constituição não estão sendo integralmente cumpridos. “Eu jamais diria que a Constituição Brasileira contribuiu para aprofundar a desigualdade, mas a sua promessa era de tornar as políticas acessíveis a todos, e eu não tenho dúvida de que isso não acontece. E não sendo pra todos, os negros são a maioria entre aqueles que estão do lado de fora”, analisou.
O professor elogiou o trabalho da ministra Luiza Barros, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). “Recebemos a ministra com muita felicidade, mas é claro que, se formos considerar todos os dados do relatório e a situação que vemos aí pela frente, não dá para ter uma postura otimista. Teremos muito trabalho e a situação é muito complicada”, concluiu o coordenador do estudo.
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