Edição 302 7 de julho de 2010
A mudança na visibilidade
Há muito, os dispositivos de vigilância vêm se reconfigurando diante do avanço tecnológico. A visibilidade deixou de ser enxergada como antigamente e, agora, para muitos, o que vale é ser visto. Os celulares com câmeras cada vez mais potentes, as câmeras de segurança, as redes sociais e o fenômeno dos reality shows são apenas exemplos da mudança de paradigma da atualidade. A professora adjunta PPGCOM/UFRJ e do Instituto de Psicologia da UFRJ, Fernanda Bruno organizou, com Marta Kanashiro e Rodrigo Firmino, o livro “Vigilância e Visibilidade: espaço, tecnologia e identificação”. O Olhar Virtual entrevistou Fernanda, que também coordena o CiberIDEA: Núcleo de pesquisa em tecnologias da comunicação, cultura, e é pesquisadora do CNPq, para discutir o livro e as questões que ele traz.
Olhar Virtual: Como surgiu a ideia do livro?
Fernanda Bruno: A ideia do livro tem pelo menos duas origens. A primeira é uma pesquisa que venho desenvolvendo há cerca de seis anos e que trata das relações entre visibilidade, vigilância e subjetividade nos dispositivos de comunicação. O livro é um dos resultados dessa pesquisa. A outra origem foi um Simpósio Internacional sobre o tema realizado em Curitiba (na PUC-PR), em março de 2009, organizado por mim, pelo Rodrigo Firmino e pela Marta Kanashiro (UNICAMP), que também são organizadores do livro. O Simpósio foi o ponto de partida para a formação de uma Rede latino-americana de estudos sobre vigilância e visibilidade, a qual já organizou um segundo Simpósio no México, em março deste ano. O livro conta com artigos de pesquisadores dessa Rede e com outros pesquisadores convidados.
Olhar Virtual: O que se pode destacar do livro?
Fernanda Bruno: Se fosse destacar algo não seria um capítulo ou um autor específico, mas a pluralidade do livro. Como a temática é marcadamente interdisciplinar, uma das riquezas do livro é a diversidade de abordagens sobre as articulações entre vigilância e visibilidade. A Sociologia, a Psicologia, a História, a Comunicação, a Arquitetura, o Direito, a Estética contribuem para essa pluralidade de olhares. Os processos e objetos analisados pelos autores também são diversos, sempre transitando pelos três temas que fazem o subtítulo do livro: tecnologia, espaço e identificação. Vídeo-vigilância, internet, fotografia, cinema, mídias locativas, sistemas de identificação e bancos de dados são algumas das tecnologias focalizadas. Por fim, a riqueza e diversidade também estão presentes entre os autores que colaboram com o livro. Contamos com autores importantes e representativos da produção nacional e internacional sobre o tema. Participam do livro pesquisadores do Brasil, do México, da Inglaterra, do Canadá e da Finlândia, compondo um panorama atual e instigante dos modos de ver, vigiar, localizar e identificar.
Olhar Virtual: Como se configura a questão da vigilância e da visibilidade na sociedade atual?
Fernanda Bruno: A pergunta é ampla e mereceria uma longa resposta, mas vou falar apenas de forma muito breve e genérica. As relações entre vigilância e visibilidade nas sociedades contemporâneas são tão estreitas quanto ambíguas. Costumo apontar que, diante de tais processos, é preciso ter em mente que as fronteiras entre vigilância, controle, entretenimento e espetáculo são cada vez mais tênues. Hoje, os dispositivos de vigilância não estão apenas a serviço do controle, mas também do entretenimento e do espetáculo — basta pensar no nosso reality show mais popular, o BBB, ou nas práticas de exposição da intimidade na Internet.
Há, assim, uma ambiguidade presente nas práticas do ver e do ser visto hoje e que, em certa medida, se estende para o uso de dispositivos de vigilância em espaços públicos, semi-públicos e privados — ser visto pode ao mesmo tempo significar que você está sendo vigiado, controlado, mas também que você está sendo cuidado, velado (no sentido da segurança), ou admirado, desejado. O selo "Sorria, você está sendo filmado" mostra com cinismo essa ambiguidade.
Olhar Virtual: De que modo a sociedade tecnológica vem alterando essa questão?
Fernanda Bruno: A tecnologia é sem dúvida um dos atores do processo, mas não faz sentido temer a tecnologia como algo exterior e dominador; e tampouco louvá-la como fonte de melhoria ou salvação. Somos seres técnicos e a humanidade se define, entre outras coisas, por sua inventividade técnica. Claro que, hoje mais que nunca, as tecnologias que criamos nos ultrapassam e nos surpreendem, agindo sobre nossa cognição, nosso desejo, nossas relações sociais etc., mas nunca no sentido da dominação ou do determinismo tecnológico. Acho bastante acertada a perspectiva proposta por Bruno Latour e outros autores da sociologia das técnicas, que pensam em nossas sociedades como coletivos sociotécnicos, compostos de humanos e não humanos. Quando a técnica nos coloca um "problema" social, político, ético, devemos agir no sentido de desviar, se for o caso, os rumos sociotécnicos na direção de arranjos mais positivos e produtivos política, social e eticamente. Esse desvio não se faz contra a técnica, mas sim com a técnica. Na Internet, por exemplo, há uma série de embates presentes, uns no sentido do controle, da comercialização e outros no sentido da liberdade, da criação de uma cultura de livre acesso e circulação de bens culturais e cognitivos. No caso da vídeo-vigilância, temos que discutir os tipos de sociedade, cidade, segurança, imagem que estão sendo propostos de modo a identificar os perigos, os limites em jogo e abrir vias alternativas de reflexão e ação.