Edição 349 2 de agosto de 2011
Divulgação |
Criada pelo austríaco Sigmund Freud no final do século XIX, a Psicanálise atualmente lida com a relação do ser humano com novas áreas da Medicina, tais como as tecnologias reprodutivas e as neurociências. Para debater essa interação contemporânea, o Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica (PPGTP) da UFRJ organizou em 2009 um colóquio sobre Psicanálise e Medicina. O fruto desse encontro é o livro Um Novo Lance de Dados: Psicanálise e Medicina na Contemporaneidade, publicado, este ano, pela editora Companhia de Freud. As organizadoras e professoras do PPGTP, Simone Perelson e Isabel Fortes, falam sobre a obra, que pretende “repensar algumas formulações da psicanálise”.
Olhar Virtual: Como foram reunidos os artigos? Há um encadeamento lógico entre eles?
Simone Perelson: O livro é fruto de um colóquio do Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica da UFRJ sobre Psicanálise e Medicina e que ocorreu em 2009. Ele é composto principalmente de artigos elaborados pelos pesquisadores que participaram do colóquio. Somaram-se ainda alguns outros artigos de pesquisadores que trabalham com o tema, mas que não participaram do colóquio.
Olhar Virtual: De que forma o livro pretende contribuir para a comunidade acadêmica e a sociedade como um todo?
Simone Perelson: O livro aborda os desafios que não apenas os psicanalistas, mas toda a sociedade vem enfrentando diante dos últimos avanços da Medicina, sobretudo no campo da Psicofarmacologia, das Neurociências e da Medicina da reprodução. Mudanças radicais nas experiências corporais e subjetivas estão ocorrendo. Julgamos que os psicanalistas não podem ficar à margem dessas mudanças. É necessário repensarmos algumas formulações da Psicanálise à luz dessas mudanças. Da mesma forma, julgamos que é necessário resistir, através da sustentação do discurso e da prática psicanalíticas, à neutralização crescente da subjetividade que o nosso tempo, marcado pelo retorno do império da ciência positivista, está hoje assistindo.
Olhar Virtual: Qual a diferença entre os conceitos de corpo anatômico e corpo
representado, que Freud propõe?
Simone Perelson: Para Freud não há o corpo anatômico estrito sensu, mas sim um corpo que é necessariamente atravessado pela dimensão da linguagem.
Olhar Virtual: Que lugar ocupa a psicanálise no contexto contemporâneo de evolução das neurociências e das tecnologias reprodutivas?
Isabel Fortes: No primeiro caso (das neurociências), ocupa um lugar, sobretudo, de resistência. No segundo caso (das tecnologias reprodutivas), em grande parte, de colaboração. Em muitos serviços de reprodução, há psicanalistas trabalhando. Os médicos que atuam nesse campo se dão conta dos limites da técnica para contornar o problema da infertilidade. Eles intuem que é possível haver uma relação entre a infertilidade e o inconsciente. E é nessa medida que solicitam em sua grande maioria a colaboração do psicanalista. Além disso, o tratamento produz um grande desgaste para as mulheres e os homens que passam por essa experiência. Também nesse caso, para os médicos, a colaboração do psicanalista também é bem vinda. Há ainda todas as questões relativas à doação de material reprodutivo e congelamento e descongelamento de embriões que criam uma série de dificuldades para a construção das maternidades e paternidades. Mais uma vez, requisita-se aqui a colaboração do psicanalista. Enfim, há demandas de tratamentos que colocam interrogações éticas aos médicos: às vezes eles não sabem se determinadas demandas são eticamente aceitáveis ou não. Mais uma situação para a qual a colaboração do psicanalista é requisitada.
Olhar Virtual: Que lugar ocupa o corpo no presente contexto das interfaces entre
medicina e psicanálise?
Isabel Fortes: A dimensão do corpo vem ocupando um lugar central na sintomatologia da clínica psicanalítica contemporânea e isso aproxima necessariamente a psicanálise da medicina. De qualquer modo há uma diferença fundamental entre os dois campos, pois o corpo na psicanálise, como dissemos, é atravessado pela linguagem.
Olhar Virtual: Qual a relação entre a capa da obra, do pintor francês René Magritte, e seu conteúdo?
Isabel Fortes: O quadro de Magritte ilustra a dessubjetivação e fragmentação do corpo que pode ser observada nos dias de hoje. Mas esta fragmentação aponta para uma positividade, pois podemos também pensar que este corpo dessubjetivado é menos determinista e mecanicista. Gostamos deste quadro para o livro porque ao lado do corpo despedaçado tem um pássaro, que interpretamos como uma possível liberdade das amarras do determinismo mecanicista.
Um Novo Lance de Dados: Psicanálise e Medicina na Contemporaneidade
Org. Joel Birman, Isabel Fortes, Simone Perelson
Rio de Janeiro
Cia de Freud, 2010
Preço médio: R$30,00