Edição 195 18 de março de 2008
Em 2005, Cláudio Fonteles, o então procurador-geral da República, protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra o artigo da Lei de Biossegurança que regulamenta a utilização de células-tronco embrionárias em pesquisas.
Apesar de ter sido aprovada no Congresso – por 96% dos senadores e por 85% dos deputados – e pelo presidente Lula, a polêmica lei estacionou na instância do STF. Cláudio Fontelles — que também apresentou uma ADI questionando a medida provisória que autorizou o cultivo e a comercialização de soja transgênica — considerou que a utilização de células-tronco embrionárias em pesquisas é inconstitucional por ferir o direito à vida.
A sessão de julgamento da ADI, ocorrida no último dia 5 de março, foi suspensa pelo STF, adiando assim a decisão que permitirá ou proibirá a pesquisa com as células. De acordo com Marco Aurélio Mello, Ministro do STF, um novo julgamento deve ser marcado para o início do mês de abril.
Para falar sobre a questão, o Olhar Virtual convidou José Ribas Vieira, professor da Faculdade de Direito (FD), e Rosália Mendes Otero, professora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF). Confira a opinião dos especialistas.
Na petição inicial da ADI 3.510-0/DF, Cláudio Fonteles fundamentou-se no princípio da dignidade humana e da inviolabilidade ao direito à vida, contidos na Constituição Federal de 1988. Não se trata de uma profunda argumentação. Essa ADI arrola opiniões de médicos católicos para dar substancialidade ao fato que a vida começa com a fecundação. O importante — que não deve ser esquecido — é o fato de essa ADI ter sido proposta em nome do Ministério Público Federal. Assim, temos de nos questionar se essa ADI representa, de fato, os interesses da sociedade brasileira e do próprio MP Federal.
O voto da Ministra Ellen Gracie esclarece que não existe na Constituição algo que impeça a aprovação do artigo da Lei de Biossegurança que trata da pesquisa com células-tronco embrionárias: “Buscaram-se neste Tribunal, a meu ver, respostas que nem mesmo os constituintes originário e reformador propuseram-se a dar. Não há por certo, uma definição constitucional do momento inicial da vida humana e não é papel desta Suprema Corte estabelecer conceitos que já não estejam explícita ou implicitamente plasmados na Constituição Federal. Não somos uma academia de Ciências”. Registre-se ainda que dentro da teoria do direito contemporânea de uma sociedade de risco e plural não há verdades e certezas.
Mas, apesar do impasse criado na instância do STF, as pesquisas serão permitidas, sem dúvida alguma. O regimento interno do STF obriga que o voto-vista do Ministro Menezes Direito seja dado em um mês. Ele cumprirá o prazo? Por erro de estratégia, o referido ministro acabou assumindo a responsabilidade de dar um voto contrário ao emprego dos embriões novos, mas ele corre o risco de não ter uma fundamentação consistente. Foi um avanço para a sociedade brasileira o STF ter possibilitado a audiência pública do primeiro semestre de 2007. A pergunta que se coloca é por que o STF não promove outras audiências públicas para as questões políticas, por exemplo, no tocante à democracia. No caso da infidelidade partidária, poderia ter havido uma audiência pública.
Eu sou claramente a favor das pesquisas que utilizam células-tronco embrionárias. Usando uma visão de Ronald Dworkin, não cabe ao Estado interferir em questões de opção moral. A própria Constituição Federal de 88 garante a liberdade à Pesquisa. Não podemos confundir fé com Ciência. É importante o debate para derrubar categorias jurídicas tão malfazejas como "nascituro". Como um jornal colocou muito bem, saímos do Direito Romano para entrar no século XXI. Que assim seja.
A realização de pesquisas com células-tronco embrionárias são muito importantes não só pela possibilidade de que essas estruturas orgânicas venham a se tornar uma fonte de células para terapias de doenças crônico-degenerativas, mas também porque as células embrionárias nos permitem estudar aspectos do desenvolvimento que são difíceis de estudar de outra forma.
No Brasil, só foi possível realizar pesquisas com células embrionárias a partir de dezembro de 2005, quando a Lei de Biossegurança foi sancionada. Nos países onde se faz pesquisa com essas células há mais tempo, muitas informações importantes para a ciência já foram obtidas a partir dos estudos. Se compararmos o Brasil com esses países, veremos que ainda realizamos pouquíssimas pesquisas nesta área.
Embora o impasse criado pelo Supremo Tribunal Federal traga conseqüências para o andamento das pesquisas com células-tronco embrionárias, elas continuarão sendo feitas, até porque não estão proibidas, já que a lei ainda esta válida. O problema é que muitos pesquisadores estão com receio de iniciar estas pesquisas e ter que interrompê-las caso a lei seja revogada