Edição 212 15 de julho de 2008
Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural ou a conservação das raças favorecidas na luta pela vida. Este é o nome do mais famoso livro publicado pelo naturalista inglês Charles Darwin. A obra provocou profundas mudanças no pensamento da biologia de então ao trazer à tona a idéia de criação evolutiva, regida pelo princípio da seleção natural.
O pensamento proposto por Darwin conflitava com o pensamento religioso que defende a atuação divina na criação das espécies.
Em junho deste ano, o trabalho de Darwin completou 150 anos de sua finalização e leitura para a sociedade, mas sua publicação ocorreu, efetivamente, no ano seguinte. Na época, seu estudo casou grande polêmica e discussão na sociedade. No entanto, hoje, suas idéias são aceitas com facilidade e seus livros são referência entre pesquisadores e cientistas do mundo inteiro.
Para discutir a importância da teoria evolutiva, entender que avanços ela obteve nesses 150 anos e como o Criacionismo conseguiu sobreviver depois dela, o Olhar Virtual conversou com o professor do departamento de Genética do Instituto de Biologia da UFRJ, Carlos Guerra Schrago.
O professor afirmou que a teoria evolutiva é de extrema relevância porque envolve uma quantidade enorme de questionamentos filosóficos e diz respeito à origem da vida. “Quando o assunto a ser tratado é humanidade, tudo fica muito complexo e o ensino de ciências ainda não deu o devido valor à complexidade do ensino da teoria evolutiva e das possibilidades que surgem dela para mostrar o funcionamento da ciência e da lógica científica. A ciência é uma atividade de pensamento crítico, aberto e ter questionamentos é sempre produtivo”, enfatiza Schrago. Confira abaixo a entrevista na íntegra.
Olhar Virtual: Darwin é autor da teoria que revolucionou o pensamento científico sobre a origem das espécies e influenciou diretamente no pensamento biológico desde sua formulação. Quais eram as bases para que o naturalista inglês chegasse a essa teoria?
É incorreto achar que ele tenha sido o primeiro a propor a evolução das espécies, que mudavam ao longo do tempo, que não foram criadas como são hoje. Darwin teve quatro pensamentos influenciadores de sua teoria evolutiva. Foram eles: a explicação da diversidade influenciada pelo pensamento platônico, a explicação sobre a “perfeição” dos organismos influenciada pelo pensamento aristotélico, a idéia malthusiana do crescimento da população e a idéia de gradualismo das espécies de Charles Lyell. Era isso que Darwin tinha em mente quando propôs sua teoria no século XIX.
Olhar Virtual: Que avanços a teoria evolutiva de Darwin obteve nesses 150 anos?
Como avanços principais, podemos mencionar a conceituação moderna das espécies e o que entendemos por espécies (unidades de indivíduos que trocam genes). Há também os avanços relacionados ao conhecimento da diversidade dos fósseis, e, principalmente, os avanços proporcionados com o conhecimento de uma teoria correta da hereditariedade. Certamente, o que faltava a Darwin, e ele mesmo admitiu, era um conhecimento sobre hereditariedade para explicar, por exemplo, porque filhos eram parecidos com pais. Isso não era claro na época, apesar de Mendel propor uma teoria sobre o assunto. A teoria de Mendel só vai ser redescoberta anos mais tarde, no século XX.
Olhar Virtual: Qual a influência dela para a genética?
Na verdade, a genética veio complementar a teoria darwiniana e resultar no que conhecemos como biologia evolutiva moderna.
Para a criação de novas espécies, uma das exigências é que aconteça a interrupção de fluxo gênico, ou seja, que a espécie não possa mais se reproduzir e não possam mais trocar genes umas com as outras, senão elas acabam sendo a mesma espécie. Então, essa interrupção forma duas unidades genéticas isoladas, e assim temos uma diversidade.
A genética acabou sendo a linguagem utilizada para interpretar a diversidade.
Olhar Virtual: Como o Criacionismo conseguiu sobreviver após a teoria?
A sobrevivência do Criacionismo é social e política. Mas é necessário pensar sobre que tipo de Criacionismo estamos falando, pois ele não é unificado. Em geral, o trabalhado aqui é o criacionismo judaico-cristão, mas existem outras culturas com outros tipos de criacionismo. Eles criticam os evolucionistas pela falta de unidade, mas eles não apresentam unidade alguma. Quando você tem um conjunto de idéias que é crítico às tradições religiosas sempre haverá um conflito.
Olhar Virtual: Quais os impactos da teoria evolutiva para a religião?
O impacto da idéia de evolução para a religião depende do tipo de religião que estamos falando. Se colocarmos judeus, cristãos e muçulmanos, aí os impactos, certamente, são muitos, principalmente se você pegar interpretações literais dos livros sagrados. É difícil fazer uma visão conciliadora entre ciência e religião.
O conhecimento religioso é dogmático, é o mesmo até hoje. Por natureza, esse conhecimento não aceita críticas. Não há conciliação entre o pensamento científico e o religioso.
A ciência é um conjunto de idéias críticas e abertas por natureza. A criticidade da ciência é um ponto de extrema importância para o seu desenvolvimento e é o embate entre cientistas e seus pares que impulsiona a pesquisa.