Edição 194 11 de março de 2008
No final de fevereiro, foi anunciado pelo Banco Central que o Brasil poderia quitar toda a sua dívida externa. Entretanto, isso não gerou um alarde na população porque a maioria não consegue entender essa questão. Eles não sabem o que poderia mudar em suas vidas com o pagamento da dívida. Muitos políticos já a utilizaram como argumento para atacar os seus rivais, tentando criar um clima de caos. Percebemos também que a mídia diversas vezes faz uso desse assunto para posicionar o leitor, influenciando-o com a sua linha ideológica. Para analisar a cobertura que a mídia realiza da dívida externa, o Olhar Virtual procurou o professor do Instituto de Economia (IE), Fernando José Cardim.
De acordo com o professor, “os jornalistas atualmente enfrentam uma dificuldade natural em se adaptar às novas formas de relacionamento da economia brasileira com a economia internacional. Quando se fala que o problema da dívida externa desapareceu, pensa-se como se estivéssemos ainda nos anos 1980. Naquele período, a dívida externa era principalmente pública, que vem realmente diminuindo nos últimos anos. Mas a dívida pública foi substituída por dívida privada e mesmo por obrigações de outra natureza, como as criadas pelo investimento direto estrangeiro, que cria a expectativa de remessa de lucros e eventual repatriamento. Esta é a novidade atual: nossas relações financeiras com o exterior são de natureza principalmente privada e decorrem não apenas da acumulação de dívida privada com o exterior, como também de obrigações derivadas do recebimento de investimento direto. Em outras palavras, nosso passivo externo, isto é, a soma das nossas obrigações com o exterior, continua bastante elevada, mas é preciso ver as mudanças ocorridas no balanço de pagamentos desde os anos 1980 para entender isso”.
Fernando Cardim afirma, ainda, um dos principais erros cometidos pelos jornalistas é pensar apenas nas obrigações do governo e esquecer que nosso setor privado nacional endividou-se bastante nos últimos anos. Há toda essa entrada de capitais, a altas taxas de juros e, além disso, os investidores estrangeiros que vieram para o país também vão querer receber os seus lucros na sua própria moeda. Ele ressaltou que alguns jornalistas e políticos acreditam que a balança de pagamentos tenha desaparecido, mas o professor explica que ela só mudou de foco.
Questionado sobre os debates realizados por jornais e revistas de grande circulação, Fernando enfatizou: “é muito raro haver um debate proveitoso sobre qualquer coisa nos veículos de grande circulação. Esses veículos não são apropriados para a realização de debates. Se eles conseguirem atrair a atenção do público para temas sérios, que possam ser tratados nos veículos apropriados, já será muito bom”. O professor ressaltou também que a mídia especializada não contempla uma discussão sóbria sobre este tema por ser ele cercado de equívocos e ela acaba seguindo uma tendência generalista.
Em relação aos comentaristas econômicos, ele destaca que nos grandes jornais especializados, como o Valor Econômico, ou mesmo de interesse mais geral, como a Folha de São Paulo, por exemplo, isso não acontece. Fernando Cardim observa que há excelentes jornalistas, mas o espaço jornalístico é reduzido. Os leitores não estão normalmente interessados em muitos detalhes, porque todo mundo acha que já conhece o problema. Ele enfatiza que nos jornais há grande espaço dado aos economistas que trabalham para bancos, por exemplo, e que, naturalmente, são os porta-vozes de seus empregadores. Isto não quer dizer que falsifiquem argumentos, mas que sua visão é seletiva.
Sobre a moratória, Cardim não acha que a mídia a demonize, afirmando que ela não é resultado de escolhas, mas de ausência de opções. Ele explica que “um país só entra em moratória quando não tem mais recursos. Quando uma moratória se torna inevitável, é importante ter uma estratégia de renegociação adequada”. O professor cita o caso argentino de 2002, através de dura estratégia de negociação do governo Kirchner, o país diminuiu suas obrigações com o exterior. Entretanto, Cardim afirma que “se os argentinos pudessem ter evitado a moratória dos anos de 2001 e 2002, com certeza teriam feito”. Para o professor, as alternativas de pagamento não são explicadas de forma satisfatória para que o público leigo formule sua opinião a respeito da questão.