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Edição 188      18 de dezembro de 2007


Ponto de Vista

Escola: um direito de todos

Camilla Muniz

imagem ponto de vista

No dicionário, incluir é “juntar-se a, inserir-se, fazer figurar ou fazer parte de certo grupo”. No âmbito da educação, cada vez mais esse significado está se materializando para os portadores de deficiência. Apoiado na Convenção da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, o Ministério da Educação (MEC) estabeleceu a transferência de todos os estudantes com necessidades especiais para as escolas regulares. A medida, entretanto, gerou polêmica. Enquanto alguns acreditam que as escolas regulares não têm condições de atender adequadamente os portadores de deficiência, outros assinalam que essa determinação é uma grande conquista no processo de democratização da educação.

Mesmo assim, as estatísticas confirmam a aceitação da resolução do MEC. De acordo com a Secretaria de Educação Especial (Seesp/MEC), em 1998, o Censo Escolar registrou 337.326 matrículas em escolas especiais. Em 2006, esse número chegou a 700.624, expressando um aumento de 107% nas matrículas. Já a quantidade de alunos incluídos em classes comuns do ensino regular cresceu 640%, passando de 43.923 alunos em 1998, para 325.316 em 2006.

Para refletir sobre o assunto, o Olhar Virtual conversou com Mônica Pereira dos Santos, professora da Faculdade de Educação e coordenadora do Laboratório de Pesquisa, Estudos e Apoio à Participação e à Diversidade em Educação (LaPEADE), fundado por ela, em setembro de 2003.

Recentemente, o Ministério da Educação determinou que todos os portadores de deficiência sejam matriculados em escolas regulares, acabando, portanto, com as escolas especiais. A inclusão de portadores de deficiência em escolas regulares deve ser uma obrigatoriedade?

Na verdade, esta medida não é uma determinação. É uma política. E nem é tão recente assim. Seus primeiros passos datam de 1990, quando da promulgação da Declaração Mundial sobre Educação para Todos, fruto da Conferência das Nações Unidas, ocorrida em Jomtiem, Tailândia. Fruto, ainda, da Declaração de Salamanca (de 1994) e, em âmbito nacional, das várias políticas educacionais que se seguiram após 1990: a LDB (1996), as Diretrizes Nacionais da Educação Especial para a Educação Básica (2001) e o Plano Nacional de Educação (2001) entre outras. A obrigatoriedade é de acesso ao ensino regular — garantia do direito a tal acesso para as famílias que assim o desejem —, mas as escolas especiais não são, assim, simplesmente “terminadas”. Elas deverão ser ressignificadas em seus papéis, ou seja, deverão se transformar em centros de recursos de produção de conhecimentos e práticas inovadoras que apóiem o processo de inclusão destes alunos nas escolas regulares, às quais têm direito e nas quais devem ser educados, em conjunção com todas as outras diversidades presentes na escola: altos, baixos, gordos, magros, pobres, ricos, negros, brancos, indígenas, adultos, crianças, jovens, católicos, evangélicos, muçulmanos, judeus…

No Brasil, quais são os maiores obstáculos que dificultam a inclusão de portadores de deficiência em escolas regulares?

Penso que sejam particularmente as barreiras atitudinais (preconceitos) ainda muito fortes em nossa cultura. Há sempre dois medos básicos imbuídos nestas barreiras: o de que os profissionais não se sintam “treinados”, “prontos” para isso, e o de que a presença destas crianças nas escolas atrapalhe a aprendizagem das não deficientes, o que é um mito. A convivência é boa para todos, principalmente para os não deficientes, pois só se quebra preconceitos vivenciando situações.  Não é a deficiência, em si mesma, que causa lentidão na aprendizagem, necessariamente, e sim a paralisia da escola frente à educação destas crianças, porque se depara com uma situação com a qual pensa que não sabe lidar. Por outro lado, por mais capacitação e treinamento que o professor possa ter em sua formação inicial e continuada, as exclusões são sempre inusitadas e imprevisíveis, o que torna a luta pela inclusão um processo infindável e a idéia de se ser treinado (para sempre) para tal uma ilusão. Inclusão é processo, porque as exclusões são processos. Acontece, portanto, em processo, sem haver receita prévia pela qual possamos lidar com todos os casos de exclusão por deficiências no mundo ou em dado contexto. Nunca teremos como saber a priori quem serão os excluídos da vez, nem como tais exclusões se verificarão, a não ser quando as mesmas acontecerem. Neste sentido, não há porque falar em estarmos prontos, mas sim em nos capacitarmos continuamente. O que podemos estar é abertos e sem medo para lidar com o inusitado, o diferente — e para isto sim, a formação inicial pode “preparar” o professor —, de maneira respeitosa e nunca paternalista, pois a educação escolar não é favor e, sim, direito humano inalienável.

Como deve ocorrer a adaptação das escolas? É preciso que as instituições de ensino mudem antes da inclusão ou as mudanças devem acontecer simultaneamente à chegada dos novos alunos?

Definitivamente, simultaneamente. Por todos os motivos que coloquei anteriormente. Não há como haver um preparo prévio total. Podemos aprender muitas técnicas e elas serão, sem sombra de dúvida, úteis em um momento ou outro, mas temos que também desenvolver a capacidade criativa, o potencial crítico do professor para inventar novas técnicas e refletir sobre o que, de fato, coloca este ou aquele aluno em situação de exclusão, pois nem sempre a exclusão é causada pela deficiência. Aliás, na maioria das vezes, não é a deficiência e sim a maneira preconceituosa e mítica com que lidamos com ela. Muito disso acontece por falta de convivência com os supostos “diferentes”. Então, a melhor maneira de “preparar” a escola, é promover a convivência.

O que a convivência possibilitada por essa inclusão representa para o portador de deficiência e para as crianças não-portadoras de deficiência?

Para o portador de deficiência a convivência possibilita uma situação de igualdade, de uso de seus direitos e uma oportunidade de um bom “treinamento” para viver em um mundo cuja essência é excludente e desigual. Além da aprendizagem, claro. Para os não-deficientes, além de continuarem aprendendo também, eles poderão desmitificar seus preconceitos e ignorância sobre as deficiências, aprendendo o trato respeitoso com a diferença. Isso, para dizer o mínimo, pois que há muitos, muitos outros benefícios...

Do ponto de vista pedagógico, qual deve ser a postura metodológica do professor diante da nova situação? Como as atividades escolares devem ser elaboradas de modo que possam ser praticadas por todos os alunos?

Como disse antes, a postura deve ser a de ousadia, de perda de medo, de prática criativa e reflexiva. Isto não é, necessariamente, uma metodologia, mas uma postura de educador mesmo. O melhor “treinamento” é nosso preparo para encararmos nossa própria ignorância sobre o outro e aprimorarmos nossas capacidades para lidar respeitosamente com este outro. A elaboração das atividades escolares, por sua vez, dependerá da escola e seus alunos, dos membros da comunidade escolar etc. Por mais que saibamos certas técnicas e princípios gerais sobre as deficiências em si, antes do deficiente há um sujeito, que pode manifestar um comportamento completamente diferente do ensinado nos livros. Então, o que não podemos perder de vista é nossa obrigação de educar nossos alunos, quaisquer que eles sejam, e assim sabermos que, se as técnicas específicas para o trato com as deficiências não funcionarem, teremos que criar outras. Nada melhor do que contar com os próprios alunos para tal. Seria uma incoerência, uma tremenda contradição pensarmos que existem atividades escolares “universais”, que podem ser utilizadas com todo e qualquer aluno. Este é, justamente, o tipo de mentalidade do qual a escola precisa se desprender, se quiser que uma educação minimamente justa e inclusiva aconteça, independente do aluno ter ou não alguma deficiência.

 

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