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Memórias, opiniões e homenagens retratam um pouco do legado de Carlos Chagas Filho (1910-2000), relatado por diversas vozes no livro Recordações de Carlos Chagas Filho (Editora Fiocruz, 2011). Em comemoração aos 100 anos de nascimento deste grande cientista, professor e pesquisador, os docentes Darcy Fontoura de Almeida e Wanderley de Souza, do Instituto de Biofísica da UFRJ, organizaram, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), uma publicação reunindo depoimentos sobre um dos profissionais mais importantes da história da ciência brasileira.
Pessoas que trabalharam com Chagas Filho deixam registradas nesta obra suas análises sobre as contribuições do pesquisador. Com ênfase na criação do Instituto de Biofísica da UFRJ e na importância dele para a política científica brasileira, os textos narram a trajetória do cientista a partir de diferentes pontos de vista.
O livro, que contém 174 páginas, foi lançado no último dia 14. A publicação está disponível nas unidades de venda da editora da Fiocruz.
Em entrevista ao Olhar Virtual, o professor Wanderley de Souza abordou o projeto em homenagem a Carlos Chagas Filho.
Olhar Virtual: Qual foi o objetivo de produzir uma obra composta por depoimentos sobre Carlos Chagas Filho?
Wanderley de Souza: Tudo aconteceu em torno do centenário do nascimento dele. Como seria feita uma comemoração organizada pela Fiocruz, tivemos a ideia de fazer um livro sobre Carlos Chagas Filho para ser lançado no evento. O objetivo era reunir relatos de diversas pessoas sobre o cientista, em sua homenagem. A intenção era mostrar os reconhecimentos e as contribuições dele para a ciência brasileira e para as pessoas com quem ele conviveu.
Olhar Virtual: Como foi feita a seleção dos autores?
Wanderley de Souza: Nós pensamos em reunir opiniões de várias pessoas que trabalharam com Carlos Chagas Filho em diferentes períodos e lugares. Por isso, estes autores foram convidados a escreverem de forma livre sobre como foram seus contatos com ele. Cada um deveria dar sua opinião sobre o professor da forma que achasse melhor, de acordo com suas lembranças e com o que acreditasse que deveria ser registrado.
Olhar Virtual: Consta na sinopse da obra que os pesquisadores selecionados “conviveram de maneira especial com Carlos Chagas Filho”. Como foi esta convivência?
Wanderley de Souza: Como cada autor escreveu o que queria lembrar sobre ele, há relatos que se prendem mais ao lado profissional e outros que são totalmente afetivos. Carlos Chagas Filho sempre incentivou a pesquisa no Brasil, principalmente dentro da universidade, e os textos mostram o esforço que o professor sempre fez para conseguir as melhores condições para o desenvolvimento dos trabalhos. Além disso, Chagas Filho era uma pessoa simples que gostava muito de conversar com os estudantes ou com quem mais o procurasse. Fica registrado no livro como era fácil falar com ele em sua sala, que estava sempre com a porta aberta.
Olhar Virtual: Um dos principais pontos do livro é a formação do Instituto de Biofísica da UFRJ, que leva o nome de Carlos Chagas Filho e do qual o senhor faz parte. Como foi o processo de criação do Instituto? E qual a relevância da instituição para a universidade e para a ciência brasileira?
Wanderley de Souza: Quando obteve o concurso para a cátedra de Física Biológica na UFRJ (1937), Chagas Filho começou a querer botar em prática seu interesse pelas pesquisas científicas, mas viu que não era possível, porque a universidade não tinha infraestrutura para isso. Para reverter esta situação, ele organizou a montagem do Laboratório de Física Biológica, onde alguns estudos começaram a ser realizados. Mas, suas ideias não pararam por aí. Ele acreditava que o ideal seria criar um instituto realmente especializado, no qual diversas pesquisas pudessem ser desenvolvidas e os estudantes pudessem ter uma formação de melhor qualidade. Então, juntamente com profissionais de outras áreas da própria UFRJ, Chagas Filho montou o Instituto de Biofísica (1945) e fez com que a universidade expandisse sua capacidade na área e a ciência brasileira tivesse uma instituição nacional como forte referência.
Olhar Virtual: O primeiro capítulo do livro aborda o estudo feito por Chagas Filho sobre o poraquê ou peixe-elétrico, um dos que mais marcou sua carreira. Qual a importância deste trabalho?
Wanderley de Souza: As pesquisas brasileiras feitas na área da Biofísica até aquela época (anos 1940) eram baseadas em outras já realizadas, porém fora do Brasil, que muitas vezes não tinham nada a ver com o assunto trabalhado. Então, Carlos Chagas Filho centrou o estudo da Biofísica na análise do poraquê com o objetivo de criar um modelo de pesquisa propriamente brasileiro. Ele fez uma abordagem multidisciplinar sobre a capacidade de o peixe de dar choques de grande potência, buscando profissionais das diversas áreas que julgava fundamentais para a compreensão do fenômeno. Os resultados da pesquisa inovadora foram reconhecidos nacional e internacionalmente, o que foi um grande passo para a ciência do Brasil e para o próprio Chagas Filho, claro.
Olhar Virtual: No capítulo escrito pelo senhor, o principal assunto abordado é a contribuição de Chagas Filho para os avanços dos estudos da Microscopia no Brasil. Poderia falar um pouco mais a respeito?
Wanderley de Souza: Os avanços aconteceram por causa da própria pesquisa sobre o peixe-elétrico. Como ele apresentou uma forma totalmente irreverente de realizá-la, usando os equipamentos mais modernos e reunindo profissionais de diversos lugares com diferentes especialidades, os estudos da Microscopia posteriores receberam a influência desse trabalho baseado numa análise multidisciplinar que teve ótimos resultados e se mostrou um modelo que deveria ser seguido.
Olhar Virtual: Qual foi a importância da Fundação Oswaldo Cruz, que viabilizou a edição do livro, na vida de Carlos Chagas Filho e a do cientista dentro da instituição?
Wanderley de Souza: A influência da Fundação Oswaldo Cruz existiu durante a vida inteira de Carlos Chagas Filho. Desde a época em que era apenas estudante e seu pai, Carlos Chagas, trabalhava na instituição, ele já tinha muito contato com o lugar, o que inclusive influenciou na escolha de sua profissão. E a atuação dele na Fundação também foi sempre marcante. A partir do período em que foi diretor de lá, o professor sempre esteve presente na Oswaldo Cruz, mesmo que informalmente, sendo sempre consultado acerca de decisões e projetos. A Fiocruz e o professor sempre caminharam juntos.