Ponto de Vista

Professor da UFRJ integra comissão de reformulação do Código de Processo Penal

 

Amanda Wanderley

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Em 1941, durante o Estado Novo, foi editado o Código de Processo Penal (CPP), que estabelece diretrizes de como a polícia e a Justiça devem atuar na apuração da responsabilidade penal de indivíduos acusados de cometerem crimes. O momento era de autoritarismo instaurado pela ditadura de Getúlio Vargas.

O CPP previa, por exemplo, que a mulher casada não poderia prestar queixa do marido sem o consentimento do mesmo. Em 1997, esta lei, presente no código, foi revogada, assim como outras alterações foram feitas, principalmente após a redemocratização, na década de 80, e a conseqüente promulgação da Constituição, em 1988, considerada por historiadores e magistrados modelo de ordenamento democrático e igualitário. Apesar da nova Constituição, o CPP não foi reformulado e apenas algumas mudanças pontuais foram realizadas, dificultando o avanço do processo penal brasileiro.

Com o intuito de aproximar o Código de Processo Penal da Constituição Federal, o ministro da Justiça, Tarso Genro, formou uma comissão de alto nível, como consta de publicação no Diário Oficial, para analisar e propor alterações no CPP. Entre os seis nomeados diretamente pelo ministro, está o professor da Faculdade de Direito da UFRJ, desembargador Geraldo Prado.

Em entrevista ao Olhar Virtual, Geraldo Prado contou detalhes da reformulação do CPP e falou sobre sua participação na comissão de reformulação do código.

Olhar Virtual: Como foi formada a comissão de reformulação do CPP e quais são as suas etapas de trabalho?

O ministro da Justiça, Tarso Genro, nomeou seis pessoas para integrarem a comissão. Do Rio de Janeiro, além de mim, faz parte o procurador da Justiça, Antônio José Campos Moreira. De São Paulo, há a ministra do Supremo Tribunal de Justiça e presidente da comissão, Maria Thereza de Assis Moura, e a defensora pública Juliana Belloque. São também integrantes o diretor geral da Escola Superior de Advocacia do Rio Grande do Sul, Alexandre Wunderlich, e o juiz federal do Ceará, Danilo Fontenele. Começamos a nos reunir em julho, em Brasília, no Ministério da Justiça, com o prazo de trinta dias para a entrega das propostas. O ministro prorrogou por mais trinta dias, para que façamos as últimas considerações antes de enviar o projeto à Câmara dos Deputados para aprovação, neste mês. Aprovado, ele será encaminhado ao Senado. Se tudo correr bem, ainda em 2007, este projeto se tornará lei.

Olhar Virtual: A que o senhor atribui a sua nomeação?

Acredito que a minha linha acadêmica contribuiu muito para a minha nomeação pelo ministro da justiça. Boa parte da minha produção bibliográfica é voltada para o Código de Processo Penal. Realizo pesquisas nessa área, como a pesquisa interinstitucional que coordeno sobre a efetividade das garantias constitucionais no processo penal. Este é um trabalho que desenvolvo na UFRJ e na Estácio de Sá, onde também leciono. Percebo que há muitos observadores da pesquisa em todo o país e de diferentes graus de instrução, da graduação ao doutorado. Na minha opinião, é uma grande honra para a UFRJ ter um trabalho reconhecido nacionalmente, como este. Vejo na pesquisa uma importante ferramenta para a evolução do Direito. Ao contrário do que as pessoas possam imaginar, esta é uma área que depende de pesquisa, assim como a saúde.

Olhar Virtual: O que motivou a criação desta comissão?

Diferentemente de outros países da América Latina, após a transição democrática, o Brasil não apresentou à sociedade um novo Código de Processo Penal em harmonia com a Constituição da República, ou seja, normas adequadas à nova realidade e ideologia social. Uma nova constituição foi lançada com aspectos altamente democráticos, em contradição ao defasado CPP de caráter fascista. Talvez por causa do jeito brasileiro de deixar as coisas como estão, os anos passaram e esta realidade foi mantida. As conseqüências são visíveis. Temos inúmeras práticas inquisitivas permanentes, disfarçadas ou manifestas, lacunas na lei e práticas jurídico-penais cotidianas que acabam por desvirtuar o próprio Estado Democrático de Direito. Atualmente, o que se percebe são reformas parciais, que dificultam avanços no processo penal brasileiro, distanciando-o da aplicação constitucional, pois são realizadas de maneira aleatória e, muitas vezes, contraditória.

Olhar Virtual: O que especificamente a comissão propõe alterar no CPP?

A reformulação propõe alterações em três itens que dizem respeito a recursos, habeas corpus e revisão criminal. Houve simplificação do modo de processamento dos recursos para encurtar o julgamento, sem prejudicar os direitos dos acusados. Com a reformulação, será permitido o pedido oral de habeas corpus, tornando este direito acessível aos analfabetos em caso de prisão ilegal. Além disso, tirou-se do juiz o poder de submeter uma causa a recurso. O pedido de recurso só dependerá das partes envolvidas.

Olhar Virtual: Como foi trabalhado o conflito de opiniões durante os debates da comissão?

Por incrível que pareça, este não foi um obstáculo para a comissão. Apesar de sermos seis, nunca entramos em conflito a ponto de termos que decidir uma questão através de votação. Com muita diálogo, soubemos chegar a um consenso. Interessante que dentro do grupo tínhamos pessoas com experiências diferentes que vieram somar na discussão. Pessoas de diferentes regiões do Brasil. Mas, todos com um ponto em comum: o contato com a pesquisa. Acredito que isso tenha facilitado o bom andamento das reuniões.

Olhar Virtual: A opinião pública acelerou o processo de criação da comissão?

Sem dúvida, a opinião pública acelerou a criação da comissão. Principalmente, por causa da insatisfação com a demora dos processos. Mas é importante frisar que tínhamos um outro tipo de pressão, além desta. Se por um lado, a opinião pede por mais rapidez, por outro, a Constituição Federal e os tratados dos quais o Brasil faz parte exigem que um processo não seja rápido demais a ponto de prejudicar as partes. Por isso, tivemos que equilibrar as duas pressões, para que dentro das exigências da lei, possamos garantir melhoria em um ponto que incomoda a população. Ainda há muito para mudar. O ideal é que elaborássemos um CPP totalmente novo. A expectativa é de que este trabalho, concluído e colocado em prática, sensibilize o governo e estimule a reformulação total.