No dia 5 de maio, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, de forma unânime, que os casais homossexuais têm os mesmos direitos que os casais heterossexuais que vivem em regime de união estável. Para entender melhor o que levou a essa decisão e quais seus desdobramentos, o Olhar Virtual conversou com José Ribas Vieira, professor da Faculdade de Direito (FD) da UFRJ, e com Sócrates Nolasco, professor e vice-diretor da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ.
José Ribas Vieira
Um primeiro ponto a acentuar em termos de avanços de direitos é que o STF não deixou explícito se realmente o direito à adoção seria estendido automaticamente.
No entanto, de forma nítida, a decisão do STF consolidou direitos de família aos casais homoafetivos, como a participação em planos de saúde e previdência, direito à visita em hospitais, pensão e partilha de bens igual à união estável heterossexual.
Tal fato incentivará o Legislativo a aprovar projetos de lei que permitam o casamento homoafetivo. Pondera-se, contudo, que há posições de optar por não avançar no debate do casamento. Pois, este ato legal tem uma certa colisão com a noção do casamento por parte de determinados segmentos religiosos.
Com o casamento, que é um contrato formal feito em cartório, a pessoa muda seu estado civil e passa a ser considerada cônjuge. Apesar da questão do casamento manter-se em aberto, de fato, a decisão do STF no caso homoafetivo abriu o caminho para a estabilidade e a segurança jurídica.
A desembargadora aposentada Berenice Dias, participante de amicus curiae no julgamento homoafetivo, acredita que os casais poderão até pedir a conversão da união estável em casamento. A Constituição Federal vigente prevê a conversão facilitada, e isso é o que muitos devem pleitear conforme o seu disposto do artigo 226, parágrafo 6°.
Há várias especulações para a demora que o Brasil teve para legalizar a união estável. Avalia-se que, com a decisão do STF, diminuam as “resistências em relação a outras temáticas principalmente em torno da limitação da vida”. Isto é, no Brasil, possivelmente, a demora resultou do temor dessas “resistências” e sua amplitude. Não devem ser esquecidos possíveis desdobramentos eleitorais. Com o pronunciamento do STF, ficou evidente que esses núcleos de “resistências” não tinham as dimensões como se anteviam.
A criminalização da homofobia é um projeto normativo que se aprovado pelo Congresso Nacional alterará o alcance limitado da Lei no. 7.716 de 5 de janeiro de 1989, — que hoje diz “Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” — caracterizando crime a discriminação ou preconceito de gênero, orientação sexual e identidade de gênero. Com esse disciplinamento, possibilitará a apresentação de queixa formal na delegacia e poderá levar à abertura de processo judicial. Nas mais variadas manifestações que podem constituir crime de homofobia, acarretará uma pena específica, atingindo no máximo cinco anos de prisão. Essas são as linhas gerais da normatização do crime de homofobia.
A Folha de São Paulo, na sua edição de 13 de maio de 2011, relata que, após protestos dos evangélicos, a Comissão de Direitos Humanos do Senado adiou a votação do projeto que criminaliza a homofobia. Nesta ocasião, os evangélicos argumentaram, mais uma vez, que a decisão do STF feriria a Constituição, ao reconhecer a união civil homossexual seguindo o entendimento frontalmente contrário ao artigo 226, parágrafo 3° da CF de 1988 (“Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”). O vice-presidente da Frente Parlamentar Evangélica, o deputado Anthony Garotinho (PR-RJ), expressou que o grupo pretende apresentar projeto de decreto legislativo para anular a decisão do Supremo. Pelo texto, o Legislativo poderá sustar atos normativos do Judiciário, quando for verificada sua inconteste inconstitucionalidade, esclareceu Garotinho. Os evangélicos ainda querem apresentar projeto que sugere plebiscito a respeito. A decisão do Supremo Tribunal Federal, vale esclarecer, não pode ser modificada. Pois, o STF entendeu, de forma cristalina, que a discriminação contra uniões homoafetivas viola cláusulas pétreas da Constituição.
Sócrates Nolasco
O Brasil tem uma população que pensa a partir da religião, mesmo que não a tome como parâmetro para suas ações. As instituições cristãs têm desempenhado um papel importante no encaminhamento e desdobramentos dados aos aspectos homoafetivos por aqui. Elas têm se posicionado contra. Todavia, o ativismo político brasileiro em relação a estas questões, as redes sociais e a rapidez com que a informação circula no mundo hoje, bem como a posicionamento que o Brasil almeja diante da comunidade internacional, favoreceu a esta receptividade no Senado. Um país maduro não discrimina. Estabelece leis para isso e fortalece o judiciário no que tange a essas questões. Com esta posição, o Brasil demonstra indicadores de maturidade e alinhamento com as democracias no mundo. O ódio, as questões psicológicas que não foram resolvidas na vida de um individuo, devem ser encaminhados aos serviços competentes e deixarem a cena pública.
Creio que o tempo de luta e participação da sociedade civil são importantíssimos em questões que lhe afetam diretamente. Os países que transformaram suas leis, o fizeram através desta participação. Os grupos de apoio às relações homoafetivas e a capacidade destes grupos de dialogarem com outros grupos civis geraram uma onda de receptividade ao assunto. Isso fez com que essa mudança passasse a ser algo da qual toda sociedade se beneficia. Não uma questão que pertence a um grupo, mas ao tipo de país que queremos viver. Quando se muda uma jurisprudência, permite-se que o pensamento se alargue, avance em direções mais compatíveis com o respeito que devemos ter a todos os indivíduos, sem qualquer discriminação. A estupidez e a ignorância são os maiores aliados ao desrespeito ao outro, mas atesta a superficialidade na qual vive o indivíduo que as toma como credo.
Até 1982, a homossexualidade era considerada uma doença mental, pelo código internacional de doenças. Isso não tem muito tempo. Se considerarmos a Historia da ciência, em certo um período, acreditou-se que a Terra estava no centro do universo. Muito equívocos foram considerados verdades, segundo dogmas de fé. Portanto, ser reconhecida a entidade familiar homoafetiva é uma forma de a sociedade ampliar sua compreensão acerca da natureza humana, para além de dogmas construídos sobre temores que nos manteriam nas cavernas até hoje. Reconhecer é um ato necessário para fazer o pensamento avançar. Nos Estados Unidos, esse reconhecimento passa pela Associação norte-americana de Psicologia, Psicanálise, Pediatria, Antropologia e Sociologia. As leis devem acompanhar a largura do pensamento, sem o qual elas não há sentido. Platão dizia: "assim como as leis, os barcos foram feitos para pessoas”.
Sobre a criminalização da homofobia, acredito que a única interpretação possível para entender por que ainda não criminalizaram a homofobia é o temor da própria homossexualidade vivida por aqueles que não legislam sobre isso. Fobia é uma patologia psíquica. Nela, a angústia não só está na origem do sintoma, como em outras formas de neurose, mas se torna ela própria o sintoma central. Existem diferentes tipos de fobia, elas vão de animais (aranha, barata) a situações ou pessoas. Há um deslocamento da angústia da situação que a gerou para uma outra que tem a função de agenciá-la. A homofobia é um sintoma que, por promover o ato, levando um sujeito a ver no outro o que carrega em si mesmo, deve ter uma lei para assegurar e o proteger o outro desta situação.