Olho no Olho

A violência na mídia

 

Mariana Valle

 

A violência é um tema recorrente na mídia. Intensamente explorado, o assunto faz parte do cotidiano de milhares de pessoas. A cobertura jornalística cria estereótipos e, em alguns casos, chega a ser sensacionalista, mas, muitas vezes, consegue estabelecer uma relação entre a vítima e o público, sensibilizando a sociedade.

O caso João Hélio é um exemplo de como um crime violento, coberto intensivamente pelos os meios de comunicação, chocou a população. O público se identificou de tal maneira que houve revolta. O crime ocorreu em 2007, no Rio de Janeiro, quando bandidos roubaram um carro e arrastaram João Hélio, de 6 anos, que estava preso no cinto de segurança pelo lado de fora do veículo.

Para Paulo Vaz, professor da Escola de Comunicação (ECO-UFRJ), explorar a vida da vítima é uma forma de “estabelecer uma identificação da audiência com ela”, o que gera um grande interesse por parte do público. Já para Mariléa Venâncio Porfírio, diretora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP-DH), “o público tem atitudes contraditórias”, por gostar e se deixar interessar por esse tipo de notícia.

Como a mídia trata a violência em suas notícias? De que forma ela consegue estabelecer uma relação tão forte entre o público e as vítimas? A seguir, a opinião de Paulo Vaz e Mariléa Venâncio Porfírio.

Paulo Vaz

Professor da Escola de Comunicação (ECO-UFRJ)

A mídia ao veicular notícias sobre violência afeta diretamente a percepção que os indivíduos têm da segurança urbana e indiretamente afeta a própria violência na medida em que isso vai permitir certas ações do Estado. Então, a mídia não causa violência, mas, sim, muda nossa percepção sobre a violência urbana e que isso indiretamente é importante, pois afeta as políticas públicas de segurança.

A mídia cria evidentemente estereótipos e imagens do criminoso e da vítima, o que é uma forma de estabelecer uma relação com o público. No início da década de 80, tinha uma tendência de narrar o criminoso como alguém doente e não como uma pessoa malévola. A audiência via o criminoso como um infeliz, como alguém que deveria ser curado. Ele era visto quase como uma vítima, pois era vítima da pobreza, das práticas autoritárias e tinha que criar os filhos. E as vítimas de modo geral pouco importavam na narrativa. O que aconteceu recentemente é que a tendência é de você estabelecer uma identificação da audiência com a vítima e cada vez mais você narra a vida prévia das pessoas, você põe testemunhos de como será terrível viver com a perda daquele individuo.

Isso tudo tem um porquê. Anteriormente, no Brasil, no surgimento do Estado Democrático, as elites tinham a obrigação de transformar a sociedade, tinham uma dívida com os pobres, enquanto hoje, ao contrário, as elites e a classe média não se sentem em dívida em relação a eles e, sim, em crédito em relação com o Estado, pois ele não os provê segurança.
E nessa identificação da audiência com a vítima, você frisa duas coisas: como aquela vida feliz foi interrompida e como a vítima era. Você promove uma audiência de pessoas alegres que são ameaçadas pelos bandidos. Você tenta cada vez mais criar uma imagem de um criminoso como um ser destituído de humanidade e compaixão que tem não tem respeito pela vida.


Mariléa Venâncio Porfírio

Diretora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP-DH)

A mídia é bastante preconceituosa e voltada para criminalizar as camadas populares e até responsabilizar essas camadas por situações de violências que ocorrem. Por outro lado, ela é muito generosa com aspectos de violência que ocorrem nas classes média e alta. Ela diferencia todas as suas notícias, todos os fatos a partir do pertencimento de classe.

Eu vejo que a mídia é bastante tendenciosa e que toma partido. Ela vai cristalizando o imaginário de territórios, isto é, de áreas geográficas onde habita a classe de maior poder aquisitivo, como se ali fosse um lugar de tranquilidade. Mas também cristaliza o território das classes populares, como o local da violência e onde são perpetuados os atos violentos.

E o público tem atitudes contraditórias, pois gosta de ouvir e ver notícias de violência. Ele já naturalizou essa situação e a mídia trata o tema como uma mercadoria e ajuda a vender essas notícias. Há pessoas que tem capacidade crítica, que conseguem discernir e identificar, mas há outras que assimilam aquilo como um caráter de verdade. Então, eu vejo que é uma situação contraditória.

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