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Regulamentar não é restringir

Kadu Cayres

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No início do mês de abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a interferir no processo de decisão quanto ao direito de greve dos servidores públicos. Oito dos onze ministros do STF decidiram sobre o tema: sete votaram a favor da aplicação da Lei 7.783/89, que regulamenta o exercício da greve de trabalhadores do setor privado, para aplicá-la também nos casos de paralisações dos servidores públicos; e apenas o ministro Ricardo Lewandowiski levou ao plenário um voto contrário à aplicação de maneira generalizada, em qualquer greve de servidores públicos, da lei aplicada aos trabalhadores da iniciativa privada.

Agnaldo Fernandes, superintendente da decania do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE), defende que essa regulamentação compõe o arcabouço de medidas assumidas pelo governo com o objetivo de controlar e restringir a ação sindical no âmbito dos servidores públicos. “Essa ação encontra justificativa por ser este o setor que, ao longo dos anos, vem demonstrando uma enorme capacidade de resistir e de elaborar proposições para a melhoria da qualidade do Serviço Público e a manutenção de seu caráter”, destaca Agnaldo, ressaltando que essas características são combatidas, por se chocarem com a política dos governos, principalmente o federal.

A avaliação do processo não foi concluída por causa do pedido de revisão do ministro do STF, Joaquim Barbosa. Porém, a maioria dos componentes da suprema corte já se manifestou aplicando aos servidores públicos os mesmos limites impostos aos trabalhadores da iniciativa privada. Todos os oito ministros concordam que a regulamentação do direito de greve obrigará os servidores públicos a exercer seus direitos de forma limitada. Em entrevista ao site da CUT-Brasil, o ministro Gilmar Mendes afirmou que "o que existe atualmente é uma lei da selva. Greves continuam a ser realizadas sem nenhum controle jurídico, e a não atuação do tribunal neste caso, configuraria uma espécie de omissão judicial".

Agnaldo, no entanto, discorda do ministro. A seu ver, os movimentos de greve não são organizados sem nenhum controle jurídico, até por que, tudo é ponderado no tempo necessário para amadurecer e ampliar qualquer decisão. “Vale salientar que não fazemos greve a troco de nada. Ela é um recurso extremo que lançamos mão após longas tentativas de sensibilizar o governo”, esclarece.

Mediante a regulamentação, Francisco Assis dos Santos, coordenador geral do SINTUFRJ, manifestou também sua indignação. Segundo ele, já sendo garantido pela Constituição o direito de greve, regulamentá-lo seria uma forma de restrição. “Acredito que a regulamentação desse direito, o restringe. Regulamentar conflitos desta natureza macula o poder de negociação. Em suma: direito de greve é legítimo e não se restringe”, enfatiza.

Breve histórico da luta pelo direito de greve

A tradição jurídica autoritária no nosso país começa na Constituição de 1891, que ignorou no texto qualquer referência à realização de greves. Quase meio século depois, em 1932, o decreto, que criou a Comissão Mista de Conciliação, tratou de punir sumariamente, com suspensão ou dispensa, os trabalhadores que abandonassem abruptamente os serviços "sem qualquer entendimento prévio com os empregadores".

A Constituição de 1937, proclamada para sustentar a ditadura de Getúlio Vargas, considerou a greve um recurso anti-social, nocivo ao trabalho e ao capital, incompatível com os superiores interesses da produção nacional.

Em 1946, uma nova Constituição marcava o fim da ditadura Vargas e democratizava o país. Mesmo neste clima, o reconhecimento ao direito de greve ficou limitado com a expressão: "cujo exercício a lei regulará". Décadas depois, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 4.330, batizada como lei anti-greve.

No momento de superação da ditadura militar e, conseqüentemente, de abertura democrática, o processo constituinte de 1988 remeteu o exercício do direito de greve no serviço público a uma futura regulação.

Diante desse breve histórico, fica claro que para o Estado Brasileiro esta liberdade de organização sempre foi um ato desafiador da autoridade constituída.