A relevância social do esporte tem se manifestado a partir diversas políticas públicas de incentivo à prática esportiva. Junto a esses investimentos cresce a discussão sobre o seu papel na sociedade.
Sediamos em nosso país um dos maiores eventos esportivos de âmbito internacional, os XV Jogos Pan-americanos, que custaram aproximadamente R$ 3,7 bilhões. Essa quantia prova o quanto o governo tem se empenhado para dar maior visibilidade ao esporte. Além da construção de instalações para o evento e todo o aparato necessário para sua realização, foram implantadas, no Rio de Janeiro, Vilas Olímpicas, como a da Maré, e desenvolvidos projetos de estímulo às atividades esportivas, especialmente em comunidades de baixa renda, acreditando no poder de renovação social do esporte. A eficácia dessas iniciativas, porém, sofre questionamentos.
Para procurar entender as questões ligadas à importância da atividade esportiva e os investimentos na área, o Olhar Virtual conversou com Waldyr Mendes Ramos, diretor da Escola de Educação Física da UFRJ e com a professora Regina Celi, coordenadora do Departamento de Pedagogia, da Escola de Educação da UFRJ.
“Com o desenvolvimento das teorias de Educação, percebemos que o homem não pode ser definido apenas como um animal racional, mas sim como um complexo conjunto de linguagens que o constituem, o que torna obsoleto o modelo defendia o ensino cognitivo da razão como o melhor meio de formar o cidadão.
Nesse momento, entra com força a linguagem corporal. Não existe dúvida que na formação do homem é extremamente importante ampliar os aspectos ligados ao desenvolvimento físico. A ligação com o esporte se faz fundamental para o favorecimento da interatividade, da socialização.
Na medida em que o esporte, elemento constitutivo dessa interatividade, incrementa a capacidade de articulação e interação com os demais, favorece o entendimento do próprio conceito de cidadania, que implica em uma relação direta com o outro.
O esporte se faz cada vez mais importante, pois temos vivenciado problemas pós-modernos de interação: crianças que ficam muito tempo no computador vivenciam apenas a realidade virtual. A prática esportiva dá para essas crianças oportunidade de ter um elemento concreto e ativo de desenvolvimento da sua própria socialização.
Colocando em questão as Vilas Olímpicas e a realidade onde se inserem, podemos dizer que sua importância é enorme, pois uma criança que tenha políticas de esporte voltadas a ela seguramente vai ficar mais protegida de influências negativas.
Não se pode educar sem a dimensão do esporte. Ela não é mais uma ferramenta; ela é parte intrínseca do processo educativo. Podemos colocar a formação esportiva no mesmo patamar em que se encontram as artes e as ciências. Em uma grande análise, no momento em que canaliza o processo de formação do indivíduo, o esporte contribui para uma sociedade menos violenta e mais interativa. Eu não considero o esporte importante para a formação do homem, considero-o vital”.
“O esporte é um instrumento importante para a sociedade e para a formação de crianças e jovens, mas, sem dúvida, a educação é o verdadeiro redentor social. Deveríamos ter escolas bem equipadas, com aparelhagem necessária não só para a prática esportiva, como também para as artes, a fim de oferecer meios para que as crianças pudessem se descobrir e desenvolver seus talentos e aptidões.
Achar que a atividade esportiva é a salvação para um jovem é um erro, pois o esporte é altamente seletivo, segregacionista e especializado. A revelação de que não se é o melhor, às vezes acontece de maneira muito rude. O esporte de competição se revela perverso e maléfico, em alguns casos, pois estimula uma maior competitividade no jovem.
Como muitas outras coisas, o sistema esportivo de nosso país é muito mal organizado, pois não existe nenhum projeto sério e bem estruturado voltado para essa área. O esporte de alta performance, de alto nível é muito caro, tanto do ponto de vista da organização, quanto da preparação do atleta, que precisa de uma estrutura bem montada de apoio e incentivo. No mundo inteiro, as grandes empresas patrocinam equipes e atletas, e esses investimentos não são, de maneira nenhuma, prejudiciais. O problema é que, no Brasil, não existem políticas de governo, projetos de base esportiva, que precedam a entrada desse capital privado.
O interesse dessas empresas não é o de formar cidadãos mais conscientes e menos violentos. O esporte é apenas mais um meio para a divulgação de suas imagens, serve para passar a idéia de uma empresa com responsabilidade social.
As Vilas Olímpicas implantadas pelo Prefeito César Maia, por exemplo. Para onde vão as crianças que são preparadas e orientadas nesses centros? O projeto acaba se tornando uma prática esportiva apenas pela prática, sem nenhuma fundamentação, sem finalidade maior alguma, sem um direcionamento específico. A iniciação esportiva dessas crianças deveria acontecer a partir do currículo escolar, em uma escola de horário integral, que pudesse acolher esse jovem em todas as suas necessidades.
Muitas vezes as autoridades procuram investir nesses projetos visando a formação de atletas, quando o principal objetivo deveria ser o de instruir cidadãos. No Brasil, não existe o planejamento e investimento necessário para a formação de grandes atletas olímpicos, o que existe são esforços individuais e localizados, de algumas pessoas e prefeituras, que decidem investir no treinamento de jovens, em projetos com focos específicos.
A prática do esporte é uma ferramenta muito importante, mas desligada do processo de educação jamais servirá como redentora social, pois a realidade dessas crianças continuará sendo a mesma, de miséria e abandono. Como diria Darci Ribeiro: “A melhor escola tem que ser a do pobre”, para poder dar alguma oportunidade de crescimento e perspectiva de vida a essas pessoas tão carentes de atenções governamentais."