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Professores analisam prova de Filosofia do Vestibular

Aline Durães

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Quando Heitor Pimentel descobriu que, para cursar Direito na UFRJ, precisava passar por uma prova de Filosofia no Vestibular, ficou surpreso. Apesar de Filosofia ter sido uma disciplina facultativa em sua escola do Ensino Médio, o estudante de 19 anos considerou fácil a prova que testou os conhecimentos filosóficos dos candidatos a uma vaga na UFRJ.

Em 14 de maio de 2003, o Conselho de Ensino de Graduação (CEG) aprovou a inclusão do exame de Filosofia no Concurso de Acesso aos Cursos de Graduação da UFRJ, mas foi apenas em março de 2007 que o Conselho Universitário (Consuni), colegiado máximo da universidade, acatou a decisão, pioneira na história da instituição.

Foi então criado um sexto grupo de disciplinas no Vestibular para englobar os cursos de Graduação favoráveis à inclusão da Filosofia no Concurso de Acesso. No último dia 11 de novembro, assim como Heitor, cerca de 7.200 estudantes, concorrentes às vagas nas carreiras de Direito, Ciências Sociais, Filosofia, História e Música, realizaram uma prova com quatro questões de Filosofia. Mas como a comunidade acadêmica da UFRJ avaliou esse exame?

Para Fernando Santoro, professor do Departamento de Filosofia do IFCS, a prova não foi satisfatória. Os elaboradores pecaram ao não seguirem as recomendações feitas pela comunidade acadêmica da universidade, pelo Consuni e pela Secretaria Estadual de Educação. “Esse exame foi uma caixa-preta. Ninguém sabia o que iria cair. Essa foi a primeira vez que a UFRJ se lançou nesse desafio, mas temos que ser mais transparentes, para que a comunidade dos professores possa preparar os estudantes para o desempenho necessário para a realização da prova”, enfatiza.

O filósofo tece críticas, em especial, ao programa de Filosofia constante do edital do Vestibular 2008. O programa previa a abordagem de temas como lógica, estética, ética e política. Mas, na opinião de Santoro, esse plano não corresponde à realidade do Ensino Médio brasileiro: “Esses conteúdos não são necessariamente ensinados nas escolas, até porque a aprendizagem de Filosofia não é uma aprendizagem de conteúdos, mas sim de atitudes e de habilidades”, avalia o professor.

Para o pesquisador, os filósofos e as linhas de pensamento expostos nas questões da prova também são passíveis de censura. O exame utilizou basicamente teorias e pensadores dos séculos XVII e XVIII, e Santoro sugere uma avaliação que traga autores, textos e abordagens da História da Filosofia variados e múltiplos.

Já o professor Renato José de Oliveira, diretor da Faculdade de Educação (FE), vê com bons olhos as temáticas aplicadas na não-específica. “Foram privilegiados temas relevantes da Filosofia. Três questões versaram sobre temáticas candentes na modernidade: o problema do conhecimento (focalizado a partir da polêmica entre racionalismo e empirismo acerca das idéias inatas), a necessidade do homem constituir-se como ser social e o conflito entre determinismo e livre arbítrio. Sem dúvida, ao se preparar uma prova, não é fácil fazer um recorte de modo a avaliar o que é mais relevante para o estudante de Ensino Médio por isso considero a prova satisfatória nesse sentido”, opina Renato.

Renato evidencia que algumas questões, no entanto, foram mal formuladas. O pesquisador, escritor de uma dissertação de mestrado e de uma tese de doutorado na área de Filosofia da Educação, aponta que o filósofo Rousseau era suíço e não francês como afirma o enunciado da questão 3. Ele critica ainda os enunciados das questões por conterem as explicações dos conceitos filosóficos cobrados nas respostas.

Na contrapartida de Renato, Santoro elege a definição dos conceitos nos enunciados como a grande virtude da prova de Filosofia do Vestibular 2008.É melhor que seja avaliada a capacidade de o aluno entender e problematizar a partir de dados fornecidos na própria prova e não de dados supostos anteriormente. A avaliação da Filosofia não deve se focar em conteúdos pré-determinados, mas na capacidade de compreensão e interpretação do aluno”, expõe.


Importância da Filosofia e melhorias

Ao contrário do que a maioria dos pré-vestibulandos pode pensar, a inclusão da Filosofia no Vestibular não foi uma tentativa da UFRJ de dificultar o acesso aos seus cursos de Graduação. Por conta dos debates ocorridos em âmbito institucional, ficou evidente que o intuito dessa prova era testar as capacidades interpretativa e reflexiva dos estudantes. Com isso, o exame buscava fugir ao caráter meramente instrumental das avaliações de Vestibular, promovendo igualdade de condições de resposta para todos os candidatos, tenham eles freqüentado cursos pré-vestibulares ou não.

Para os docentes, mudanças devem ser implantadas para a meta ser atingida em sua plenitude. Renato José propõe a diminuição no número de questões da prova e a existência de uma única pergunta por questão. Já Santoro acredita que a UFRJ deve se espelhar no modelo aplicado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que, anualmente, anuncia, já no edital de seleção, cerca de três textos clássicos variados para guiar o candidato na hora de estudar Filosofia.