Ruanda, 1994: oitocentas mil pessoas da etnia tutsi foram brutalmente assassinadas por membros da etnia hutu. Sudão, 2003: inicia-se um conflito que, ao longo de cinco anos, já dizimou mais de meio milhão de africanos negros de aldeias tradicionalmente agrícolas. Quênia, 2007: a suspeita de fraude no pleito que reelegeu o presidente Mwai Kibaki incitou uma onda de violência que, além de ter deixado mortos, obrigou cerca de 300 mil pessoas a fugirem de suas casas.
Esses são apenas alguns dos conflitos marcantes da história recente da África que, apesar de graves e com conseqüências nefastas para a população desse continente, aconteceram (e ainda acontecem) sob a mais velada negligência da grande mídia internacional. Poucos são os veículos de comunicação que divulgam e acompanham esses eventos. Mas, por que a imprensa mundial ignora as guerras étnicas africanas?
Para Franklin Trein, docente do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/UFRJ), o abandono perpetrado pelos meios de comunicação à África reflete parte do interesse de países e empresas do Primeiro Mundo na região. Segundo o professor, quanto maior for o silêncio da mídia, menos a comunidade mundial saberá sobre genocídios que ocorrem em solo africano e, conseqüentemente, mais prodigiosa será a atuação dos capitais internacionais ali.
- A mídia vai atrás do que possa trazer retorno financeiro, mas divulgar a África não traz resultados econômicos imediatos. Ao falar pouco sobre o que acontece ali, a imprensa faz parecer menor a miséria que marca aquele território. Com isso, a comunidade internacional não cobra mudanças. Se ela cobrasse, os lucros obtidos pelos capitais internacionais com o mercado de armamento — fomentador de muitos daqueles conflitos — e com a liberdade de exploração das riquezas africanas se reduziriam – afirma o pesquisador.
Mohamed Hajji, professor da Escola de Comunicação (ECO), acredita que a influência dos interesses internacionais na África é tão grande que os embates étnicos são hoje ”guerras de milícias, de mercenários, guerras privatizadas entre consórcios multinacionais, onde nem se sabe mais se o objetivo é o controle dos recursos naturais, a luta pelo mercado de armas ou a garantia do próprio mercado de guerras mercenárias”.
Para ele, os meios de comunicação, em especial a mídia televisiva, optam por naturalizar o continente, através da divulgação de imagens naturais, como florestas tropicais, desertos e animais selvagens, por exemplo. Com isso, a grande imprensa mundial trabalha no sentido de associar a imagem da África ao de mundo primitivo, dificultando ao cidadão africano obter voz própria junto à comunidade internacional.
Muito além dos conflitos
Não são apenas as rivalidades étnicas que os veículos de comunicação deixam de reportar. As falhas de cobertura da grande mídia incluem o silêncio em relação à situação caótica em que se encontram milhões de africanos. Nos últimos anos, por exemplo, o apoio financeiro internacional destinado à África diminuiu drasticamente. Os EUA doam hoje para a região cerca de 10% do montante que doavam na década de 1970; já os recursos vindos da ajuda humanitária da União Européia representam, atualmente, apenas 30% do valor repassado há trinta anos.
A queda nas doações internacionais e o crescente descaso das nações agravaram o quadro de pobreza em que a África se encontra. Uma recente pesquisa realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) apontou que um grande número de africanos sofre mais de uma enfermidade. Debates capazes de avaliar os impactos de informações como essas são raros nos jornais e revistas, pertençam eles ou não a países desenvolvidos.
- A África está abandonada à própria sorte. Ninguém está preocupado em curar a África. O mundo ocidental vê esse continente como um grande manancial a ser explorado no século XXII, mas não no século XXI. Acredito que o Primeiro Mundo, em especial, resolveu deixar que a natureza recicle a vegetação, a fauna e, inclusive, a população dessa região. Os países desenvolvidos têm condições de investir ali, mas não o fazem por serem arrogantes e por não possuírem qualquer sentimento de culpa em relação às grandes catástrofes da África – avalia Franklin Trein.
Para Trein – que elege o jornal francês Le Monde Diplomatique como um exemplo de veículo capaz de cumprir a tarefa de chamar a atenção da comunidade global para temas não-divulgados pela mídia convencional –, a saída para o problema reside nos sites informativos e nos jornalistas que buscam ser alternativa à grande imprensa.
- Nós, brasileiros, precisamos insistir nesse debate. Devemos ser solidários e lançar luz sobre as violências que, há anos, são perpetradas na África – convoca o pesquisador.
Na opinião de Mohamed Hajji, a mídia brasileira deixa a desejar não só no que tange à cobertura da África como no Jornalismo Internacional como um todo. Segundo o professor, a maior parte dos veículos brasileiros é viciada em clichês e preconceitos, além de apresentar uma submissão sistemática ao discurso da grande mídia internacional.
- Não há o menor esforço de informação do público, sua educação ou a formação de um olhar brasileiro ou latino-americano. Os motivos são tanto de natureza subjetiva cultural - a mentalidade do colonizado - como da ordem da economia política da informação: falta de estrutura (correspondentes e jornalista) e dependência dos grandes cartéis midiáticos transnacionais – explica Hajji.