O Pólo Náutico da UFRJ embarca em um desafio de logística, sustentabilidade e eficiência energética na Europa. A equipe multidisciplinar, intitulada “Copacabana”, se empenhou na construção do barco batizado com o mesmo nome, inteiramente movido à energia solar. Ele irá competir na segunda edição da Frisian Solar Challenge: uma corrida aquática em prol da alternativa energética limpa, que acontece de 23 a 28 de junho em Leeuwarden, nos Países Baixos (popularmente chamado de Holanda).
Os 11 integrantes da equipe brasileira – primeira da América Latina a participar da regata e a única não-européia inscrita – já estão no país dos moinhos de vento, preparando os últimos detalhes para a competição. Em sua totalidade, o projeto contou com a participação de funcionários, professores e alunos das Engenharias Naval, Elétrica e Eletrônica, além da Educação Física, Nutrição, Meteorologia e Desenho Industrial.
A idéia de fazer parte da competição foi incentivada pelo engenheiro naval e doutorando da UFRJ Ronaldo Migueis, sendo definitivamente aceita por Fernando Amorim, professor da Engenharia Naval e coordenador do Pólo Náutico. O objetivo é ganhar experiência para a construção de futuras embarcações destinadas ao transporte de passageiros em Macaé, assim como outras que serão utilizadas na coleta de lixo na Baía de Guanabara – todas feitas com base no uso da luz solar.
“Não é apenas diversão, não vamos para a Europa para passear”, observa Murilo de Almeida, estudante de Desenho Industrial e membro da equipe. Segundo ele, toda a tecnologia desenvolvida na construção do Copacabana será aplicada em projetos da própria universidade, como os citados acima e os desenvolvidos pelo Laboratório de Fontes Alternativas de Energia da UFRJ (Lafae).
No projeto, realizado em parceria com a prefeitura de Macaé, estima-se que, com os barcos alimentados pela luz solar, será possível reduzir para 10 minutos a duração do percurso daqueles que precisam cruzar o rio Macaé. Atualmente, as pessoas que fazem o trajeto demoram 40 minutos de ônibus, cujo combustível é poluente. “A produção é cara, mas se não pesquisarmos, nunca vamos conseguir baratear o uso de energia solar. Nesse sentido, o Copacabana é um investimento em pesquisa”, acrescenta Murilo, sobre a alternativa energética limpa.
O fato de a UFRJ ter sido a única a se inscrever na competição, em novembro do ano passado, não causou espanto em Fernando Amorim. “Em geral, nos países do Hemisfério Sul, as indústrias navais sofreram drásticas retrações com a entrada do neoliberalismo. O Brasil manteve o funcionamento do setor náutico, embora este seja bastante reduzido; a UFRJ é a instituição que mais desenvolveu pesquisas nessa área”, informou.
O processo de seleção foi dividido em cinco etapas: desenho do barco, geometria e estabilidade, estrutura, circuitos elétricos, revisão, e a última, onde foram feitas as últimas alterações. “Nosso projeto está entre os dez primeiros, e estamos confiantes, mas sabemos que se trata de uma primeira competição, e não esperamos ser os primeiros”, declarou Fernando Amorim.
Enquanto na Europa a indústria naval está desenvolvida, no Brasil seu crescimento ainda é lento. Embora a aquisição desse meio de transporte seja relativamente cara, sua alternativa pode representar uma solução de baixo custo, em longo prazo, visto que a manutenção não exige grandes dispêndios financeiros.
O objetivo dessas competições é popularizar a opção pelas energias renováveis e incentivar o uso e desenvolvimento de tecnologias de utilização e geração, visto que costumam ser sazonais ou periódicas, estando disponíveis apenas em determinadas épocas.
O Copacabana
O barco terminou de ser construído na última quinta-feira, 12 de junho, após quase dois meses. Com um orçamento apertado e muita criatividade na solução dos problemas, a equipe trabalhou sem parar durante todos os fins de semana e feriados. O Copacabana tem 6 metros de comprimento e um metro e meio de largura: seu cockpit, local onde fica o piloto e demais equipamentos usados na navegação, foi projetado sob medida para Rafael Coelho, engenheiro naval, experiente em competições à vela, que irá conduzir o barco.
A denominação “Copacabana” surgiu a partir de uma matéria publicada na Europa, caracterizando a participação do Brasil como exótica. Fernando Amorim explica: “O nome é símbolo desse exotismo por ser um local reconhecido internacionalmente e, ainda, uma forma de respondermos à brincadeira que fizeram com a gente”.
As aventuras de Rafael pelas águas não foram o único critério da escolha para estar no comando do barco: neste caso, tamanho é documento, pois a posição em que o piloto fica no banco é um tanto desconfortável. “Ele está no limite de peso, que a competição exige e é um pouco mais baixo. Isso permite um conforto maior dentro da embarcação, o que não seria o caso de pessoas um pouco mais altas e mais pesadas”, afirma Marcos Santos, engenheiro eletrônico e mestrando do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) integrante da equipe que projetou o Copacabana.
Obrigatoriamente, todos os dispositivos elétricos do barco devem funcionar com energia solar, captada pelos painéis solares. O Copacabana foi projetado de tal forma que o próprio piloto consegue chegar a uma determinada inclinação com o peso do corpo, a qual, dependendo da posição do sol, faz aumentar bastante a captação de energia.
Como relata Marcos, a equipe conta com a ajuda de uma empresa no sistema de monitoramento da incidência de luz solar: “Essa empresa cedeu um equipamento para podermos fazer uma medição da luz solar, sabermos como está a luz do dia e podermos fazer uma avaliação em relação a poder andar mais e a poder andar menos. Quanto mais luz o barco recebe, mais rápido ele pode andar”.
Os testes, realizados com uma versão preliminar, foram feitos semana passada na Ilha da Cidade Universitária (Fundão), próximo ao Angar e ao Alojamento, em um final de tarde com o sol em posição semelhante a que será encontrada na Europa. Foram avaliados quesitos como estabilidade e velocidade, de acordo com os padrões estabelecidos pela competição. Para ver os vídeos da estréia do Copacabana nas águas, visite o perfil da equipe no orkut: http://www.orkut.com/Profile.aspx?uid=14464916913540355381 ou acesse o site no youtube http://www.youtube.com/watch?v=BieNbwDjEKE.
O projeto é patrocinado pela UFRJ e pela MPX (de Eike Batista), que financiou o transporte do barco e os painéis solares. Além disso, o Centro de Pesquisas da Eletrobrás (Cepel) cedeu alguns painéis utilizados nos testes e simulações. A equipe estima que as despesas giram em torno de 100 e 120 mil reais – o que também inclui dinheiro tirado do próprio bolso dos estudantes, profissionais e demais participantes que mergulharam fundo no projeto.
A prova
A Frisian Solar Challenge acontece em Leeuwarden, capital da província de Frísia, nos Países Baixos. É verão por lá nesta época do ano, mas a temperatura pode chegar aos 8°C durante a noite.
A competição é dividida em três categorias: A, B e C, distintas pelo tipo de limitações impostas ao projeto. A categoria A, na qual a UFRJ está inserida, é para barcos de até 6 metros de comprimento, de um tripulante e com 5 painéis solares, que totalizam 1KWH de geração de energia, diferente da B, que estipula 2 tripulantes e mais um painel. Além disso, o tipo de material também afeta na classificação. “Optamos pela bateria convencional porque ela acarreta em uma penalização menor por peso”, explicou Amorim. A categoria C apresenta custos elevados. Segundo informou o coordenador do projeto, a Universidade não tem tradição com o desenvolvimento de tecnologias prontas, mas sim de base. Idéia a ser desenvolvida é a de atuar nos dois extremos. “Ainda não temos condições financeiras de participar dessa categoria, mas pretendemos tê-las daqui a quatro anos, na quarta edição do Frisian”, informou o engenheiro naval.
Dois dias antes do rali (21 e 22/6), acontecem os procedimentos de checagem dos equipamentos – como a pesagem e a medição dos barcos, avaliação da parte elétrica – e a corrida classificatória, que define as posições de largada.
Durante a competição, os integrantes da equipe técnica de apoio irão acompanhar o percurso do barco pelos canais. Em todos os dias da prova, o barco entra na água no início e sai no final do dia, sendo que apenas quatro dos 11 membros da equipe podem ajudar a carregar o Copacabana. As cinco etapas totalizam 200 quilômetros. Os barcos saem um de cada vez, semelhante à competição de rally, e as provas devem durar cerca de duas horas. A posição de largada é determinada por uma etapa preliminar, que define a posição dos barcos mais velozes à frente, a fim de que sejam evitados os congestionamentos, uma vez que os canais são estreitos.
A pontuação dos competidores é dada pelo somatório do tempo de todas as etapas de percurso, nas quais os pilotos encontram desafios adicionais, tais como: passar de um canal a outro sem utilização de equipamentos externos e com a ajuda de apenas 4 membros da equipe, o que acaba estimulando a criatividade dos engenheiros para projetar barcos cada vez mais leves; outro desafio é passar por uma ponte com altura de apenas 50 centímetros, entre outros. Embora a prova comece e termine no mesmo lugar, o piloto percorre a cada dia um novo local da Holanda. Como não há barco de apoio, um aparelho com tecnologia GPS irá permitir a comunicação do piloto com os demais integrantes da equipe, bem como a determinação da localização de ambos.
“O barco pesa quase 200 quilos, então para tirar da água é muito complicado. Como é a primeira vez que estamos indo, ainda não temos noção de como vamos fazer isso. A gente espera ganhar um know-how durante essa competição, apesar de que estamos bem preparados!”, declara Frederico Vecchi, desenhista industrial pela UFRJ que também participa da competição.
A Frisian Solar Challenge exige uma grande capacidade técnica e logística dos participantes. “Lá, a incidência solar já é menor do que aqui e os canais têm eclusas com horários determinados de abertura. Não adianta gastar muita energia para chegar rápido se a eclusa vai estar fechada, por exemplo. Se este for um trecho muito arborizado, pode ser que não tenhamos como captar energia para o painel. É um desafio estratégico grande”, explica Murilo.
A expectativa dos europeus com relação à equipe brasileira também é grande. No site do evento (http://www.frisiansolarchallenge.nl/eng/index.php), “The Brazilian samba” é citado como um dos elementos que estarão presentes na segunda regata de barcos movidos à energia solar dos Países Baixos, que contará com 49 participantes. Entre os concorrentes da equipe brasileira, estão a Delft, Universidade localizada na cidade holandesa de mesmo nome, a Noroeste Institute of Tecnology (INT), universidades alemãs, dinamarquesas e outras. O vencedor ganhará um troféu simbólico.
“Parece que eles estão empolgados com a nossa presença lá porque estão curiosos para saber o que vem da gente: um barco feito de côco, de bananeira? Não sei. Talvez eles achem que o Brasil é só floresta, muita gente acha, não é? Então, creio que vamos surpreender”, brincou Frederico.