Desde a recessão de 1929, a economia mundial não entrava em crise tão forte como a atual, principalmente no setor financeiro. Diversos bancos e seguradoras faliram e deixaram milhares de desempregados. Na tentativa de salvar essas instituições, governos de todo o mundo estão intervindo diretamente em sua economia, injetando milhões de dólares no mercado. A situação é tão grave que ministros e presidentes de bancos centrais das grandes economias desenvolvidas e emergentes se reuniram recentemente em São Paulo para debater alternativas para a crise internacional.
Porém, aparentemente, a crise ainda não chegou ao mercado bancário nacional. Na última segunda feira, dia 3 de novembro, Itaú e Unibanco, dois dos principais bancos brasileiros, anunciaram sua fusão, para formar o maior conglomerado financeiro privado do Hemisfério Sul, com valor de mercado entre os 20 maiores do mundo. De acordo com o Banco Central, a nova controladora, denominada Itaú Unibanco Holding S.A., terá mais de R$ 575 bilhões em total de ativos, superando o Banco do Brasil (R$ 403,5 bi) e o Bradesco (R$ 348,4 bi). Essa nova instituição financeira, resultada de uma negociação de 15 meses, terá a capacidade de competir no cenário internacional com grandes bancos mundiais.
Para explicar a fusão do Itaú e do Unibanco em toda a sua complexidade, o Olhar Virtual entrevistou Fernando Carlos de Lima, professor adjunto do Instituto de Economia da UFRJ e especialista em Economia Monetária e História Financeira, para também comentar as conseqüências dessa unificação para a economia brasileira.
Olhar Virtual: Já ocorreu antes na história econômica do Brasil algo parecido?
Uma transação dessa magnitude, a criação de um banco que passa a ser líder do mercado, nunca tinha acontecido desde o Encilhamento (final do século XIX). É um marco histórico, se pensarmos que, desde que foi reestruturado, em 1905, o Banco do Brasil vinha sendo, de longe, o maior banco brasileiro. Mas já ocorreram várias aquisições importantes, principalmente a partir da década de 1990, como por exemplo, a compra do Banespa pelo Santander.
Olhar Virtual: Quais foram as possíveis motivações para a fusão? Aliás, foi realmente uma fusão ou uma aquisição?
A concentração bancária é um processo que hoje se observa no mundo todo. Poucos bancos de varejo, talvez no máximo cinco, sobreviverão à crise no Brasil. A fusão, que ao meu ver foi uma aquisição, é, na verdade, uma estratégia de sobrevivência dos controles dos bancos, principalmente se levarmos em conta que, passada essa crise, deverá ocorrer uma nova onda de internacionalização bancária.
Olhar Virtual: A fusão do Itaú com o Unibanco precisa ser aprovada por alguma instituição financeira?
Formalmente, o Banco Central tem de aprovar. E já aprovou. O nosso Banco Central está agindo da mesma maneira que os órgãos reguladores norte-americanos, europeus e mesmo asiáticos que, neste período agudo da crise, estão aprovando, e até mesmo promovendo, a concentração bancária.
Olhar Virtual: Quais os benefícios e desvantagens disso?
Entre os benefícios, podemos citar o fato de que a fusão garante, pelo menos por mais algum tempo, que o sistema bancário brasileiro continuará a ser dominado por instituições nacionais, ao contrário do que ocorre em praticamente toda a América Latina. No curto prazo, a fusão reduziu consideravelmente os boatos que corriam sobre a situação de solvência de bancos de médio e pequeno porte no Brasil, e por essa razão foi comemorada pelas autoridades.
Entre as desvantagens, a concentração bancária significa obviamente maior poder para os bancos em sua relação com os clientes. Com isso, aumenta a responsabilidade do Banco Central no que concerne à proteção ao consumidor. Outra desvantagem é a redução de empregos no setor financeiro, que mesmo sendo uma tendência desde o Plano Cruzado, deve se aprofundar em função da atual crise.
Olhar Virtual: Como ficará daqui pra frente o mapa competitivo do mercado financeiro? Como poderão reagir os outros bancos?
A necessidade de competir levará o Bradesco a tentar aumentar sua fatia no mercado absorvendo outros bancos. O Banco do Brasil deverá adquirir brevemente o “Nossa Caixa” e outros bancos públicos e, mais tarde, comprar também bancos privados. Acredito que os outros bancos de varejo, quase todos estrangeiros, com exceção da Caixa Econômica Federal, deverão esperar a crise passar para se mover nessa direção.
Olhar Virtual: Essa atitude de unificação foi influenciada de alguma forma pela crise financeira internacional? Ela pode abrir caminho para outras fusões?
As famílias donas dos dois bancos afirmam que a fusão já vinha sendo negociada há algum tempo, em parte motivada pela incorporação do banco Real pelo Santander. Não há motivo para duvidar disso, mas o anúncio da fusão foi certamente antecipado em razão da crise. Outras fusões deste porte não devem ocorrer no futuro próximo, mas o processo de concentração bancária, tanto lá fora como no Brasil, é inexorável.
Olhar Virtual: Com a fusão, o novo banco se torna mais competitivo no cenário global?
Certamente, mas este é um projeto para o futuro. Antes disso, será preciso tratar do próprio processo de fusão das diversas áreas dos dois bancos, que pode ser demorado. Além disso, o quadro atual da crise não favorece a expansão das atividades internacionais do novo banco.
Olhar Virtual: Como fica o cliente nessa história? Ele sofrerá alguma conseqüência negativa da fusão?
Os clientes dos bancos não têm vida fácil, nem no Brasil nem em qualquer outro país. Neste caso específico, é provável que o novo banco seja inicialmente bem cauteloso para não perder clientes. Porém, no longo prazo, a crescente concentração fará aumentar ainda mais os problemas típicos de setores oligopolizados.