“A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”. E para a arte não falta tanto, pelo menos para a música. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está analisando um projeto de lei para tornar obrigatórias as aulas de música no ensino Fundamental e Médio. Se a lei for sancionada, os conceitos musicais deverão ser ministrados dentro da disciplina de artes.
Pelo projeto, os professores deverão ter formação na área de Música. A atual lei que regulamenta o ensino diz que o conteúdo de artes é obrigatório, mas não aponta nada sobre os diferentes tipos e possibilidades de arte: pintura, gravura, música e teatro, entre outros. Se o presidente Lula sancionar a medida, as escolas terão até três anos letivos para se adaptarem à nova regra.
Para analisar este projeto de lei, suas implicações para a sociedade e sua validade como forma de inclusão social, o Olhar Virtual conversou com o diretor da Escola de Música, André Cardoso, e com a professora da Faculdade de Educação, Mônica Pereira dos Santos.
Essa lei é uma excelente iniciativa que surgiu graças à articulação de várias entidades, entre elas o sindicato dos músicos profissionais do Rio de Janeiro, junto a deputados e senadores. Dessa forma esta lei representa efetivamente uma iniciativa e um desejo antigo da classe musical brasileira. Trata-se, na verdade, de uma espécie de retorno; a educação musical já foi disciplina obrigatória, foi retirada dos currículos pela lei de diretrizes da educação, assinada da época dos governos militares.
A implantação desta lei vai trazer inúmeros benefícios para os alunos. Já é comprovado que o ensino e a prática das artes ajuda no desenvolvimento geral das crianças. A música, especificamente, desenvolve a parte sensorial e, através da atividade coral, ajuda na sociabilidade. A formação humanística do indivíduo deve receber especial atenção em uma época da história da humanidade dominada pela tecnologia e pelo individualismo. Inúmeros são os projetos, em todo Brasil, em que a música é o método utilizado para a inclusão social.
É necessário, porém, que seja feito um monitoramento das escolas para que realmente implantem o ensino de música, invistam na infra-estrutura adequada e contratem os profissionais qualificados, ou seja, professores formados em cursos de licenciatura em Música. Ao mesmo tempo é preciso ter atenção à qualidade da formação dos professores, já que tanto a educação artística como a musical só podem ser ministradas com propriedade por profissionais especializados, devidamente formados em cursos de licenciatura.
Todo projeto de lei que valorize as artes e as linguagens me parece simpático, desde que o estudante opte por elas, e não seja obrigado a cursá-las. A questão é saber se tais projetos atendem ao ideal de uma educação de melhor qualidade ou se simplesmente vêm para atender a interesses imediatistas e puramente políticos ou corporativistas.
Tudo que vem como uma imposição, em educação, pode surtir um efeito contrário ao que se deseja. Se a música vem para ser uma opção dentre outras linguagens, ótimo. Mas se vem para ser uma camisa de força, é complicado. O aluno pode acabar encarando como mais uma disciplina a cumprir por pura obrigação de preenchimento curricular (currículo aí entendido de modo extremamente limitado, como puro rol de disciplinas a cumprir) e, em vez de desenvolver efetivamente o gosto artístico, desenvolver o trauma.
É preciso fazer um levantamento do mercado de profissionais disponíveis na área para atender à demanda que se está criando com esta lei; além de formar e atualizar o profissional a ser envolvido com a disciplina; garantia de infra-estrutura para que as escolas possam cumprir a lei; mecanismos de acompanhamento e avaliação dos resultados, impactos econômicos e sociais que esta lei trará ao sistema educacional, entre outras medidas.
Penso que os atuais professores dos ensinos médio e fundamental não estão habilitados para esse tipo de aula. Pelo menos, não em número suficiente que supram, de imediato, todo o contingente de alunos.
Se for apenas mais um projeto de cunho politiqueiro, que termina quando acaba um mandato, a validade será pouca, pois a inserção da música como componente curricular poderá se tornar apenas mais um conteúdo a ser tratado em uma escola de caráter enciclopédico, sem alterar suas estruturas excludentes. No entanto, se for um projeto que efetivamente seja feito com os cuidados assinalados acima, penso que a música, assim como outras linguagens artísticas, pode trazer uma inovação ao cotidiano escolar.
Em vez de focar as leis nos conteúdos curriculares, o governo poderia se dedicar a discutir mais o currículo em si: para que serve, a quem serve, que escola seu projeto prevê, que formação de povo prevê e assim por diante. Uma lei que abrisse, enfim, a possibilidade para que tais discussões se instaurassem oficialmente na escola, tornando-as, inclusive, parte oficial do que se aprende naquela instituição e , possibilitando, efetivamente, a construção democrática do próprio currículo.