Ilustra: Caio Monteiro |
Jardineiro, 78 anos, pai de 11 filhos, caseiro de assessor do deputado estadual Baleia Rossi, de São Paulo. Astolfo se chama. Ess as são informações divulgadas na mídia referentes a um dos dois ganhadores da mega-sena da virada, residente na pequena cidade de Santa Rita do Passa Quatro, no interior de São Paulo. No último sorteio no ano, a Caixa Econômica Federal ofereceu o maior prêmio da história de uma loteria da América Latina para os acertadores dos seis números: R$ 144,9 milhões foram divididos entre os ganhadores. Do outro ganhador ou ganhadora, soube-se apenas que é de Brasília. Ambos pediram à Caixa que não fossem divulgadas suas informações pessoais, mas, no caso do ganhador paulista, iss o não aconteceu. O seu nome, por exemplo, foi fornecido pelo dono da única lotérica de Santa Rita de Passa Quatro.
A divulgação dessas informações pessoais, à revelia da vontade dos ganhadores, gerou um questionamento acerca do real interesse público sobre tais informações. Para o professor da Faculdade de Direito/UFRJ e especialista em casos de invasão de privacidade Afonso Albuquerque, a grande repercussão do evento acaba levando a mídia a divulgar as informações, o que não é, a princípio, condenável. “Tem-se que observar que se trata de um acontecimento de grande repercussão nacional ; portanto, de grande interesse público. Em vários países, os resultados dos grandes sorteios de loteria são televisionados e, inclusive, contam com a presença do ganhador”, comenta.
No entanto, afirma Albuquerque, deve-se analisar cada caso de exposição de informações pessoais. Para o professor, no caso do ganhador da mega-sena não houve ofensa à garantia constitucional da privacidade e intimidade do idoso, pois os dados divulgados são mais generalizados que particularizados. Não haveria, portanto, motivo para os ganhadores processarem os veículos responsáveis pela divulgação das informações. Albuquerque também afirma que, pela mesma razão, neste caso não há um problema ético do jornalista em divulgar as informações.
O advogado vê até de forma positiva a divulgação das informações dos ganhadores, pois elas atestam a transparência do sorteio. “Entendo que exista um interesse da sociedade em saber quem ganhou o vultoso prêmio, posto que tal conhecimento d á transparência ao próprio sorteio e constata a sua moralidade”, opina.
Evidentemente que quando se questiona a validade da divulgação de informações pessoais tem-se em mente a possibilidade de essa divulgação tornar vulnerável a segurança dos ganhadores. Então, se algo ocorrer ao ganhador, em decorrência do acesso às informações pessoais divulgadas pela mídia, há como responsabilizar legalmente o veículo jornalístico? Para Albuquerque isso só poderia ocorrer se fosse divulgado o local da residência da vítima. Por outro lado, afirma, a própria exposição dos dados pessoais dos ganhadores deve ser levada em conta como um aviso, um alerta, para aquelas pessoas que querem fazer algum mal contra os ganhadores dos prêmios, pois elas passam a saber que qualquer coisa que aconteça aos mesmos virá à tona através da mídia. A divulgação, portanto, pode servir de proteção à segurança do cidadão, embora se admita que também pode servir para a vulnerabili dade dessa segurança. De todo modo, afirma Albuquerque, a garantia de segurança ao cidadão deve ser dada pelo Estado.
O problema é que não se chegou ao estágio em que o Estado possa dar tal garantia. Para Albuquerque, não se constituiu ainda no Brasil um real Estado Democrático de Direito. Neste Estado sim, a divulgação dessas informações serviria mais à garantia da segurança do que à ameaça . “Quando chegarmos a este patamar, a divulgação da imprensa dos dados gerais do ganhador da sena não mais constituirá uma ofensa a sua vulnerabilidade, mas servirá para dar maior segurança ao idoso, como no caso em questão, posto que tod as as instituições devem atuar em conjunto: Estado, Sociedade, Imprensa devem atuar para que seja assegurada a liberdade plena de todos os cidadãos e de todos os seguimentos da sociedade”, analisa.