Por Francisco Conte
Um episódio banal da vida urbana contemporânea (uma tentativa de assalto quando, em seu automóvel, aguarda, atrás de um ônibus, a abertura de um sinal de trânsito que o permitiria seguir adiante) serve de gancho para que Ronaldo Lima Lins, professor da Faculdade de Letras e, atualmente, seu diretor, desenvolva um dos mais agudos estudos acerca dessa indiferença sem espantos que perpassa a cultura contemporânea.
Indiferença que, cabe sublinhar, quase sem opositores, vem se implantando como norma nas relações interpessoais, mas que não impede que continue se expandindo a produção capitalista de mercadorias. Ao mesmo tempo em que uma diversidade de produtos cada vez maior freqüenta as prateleiras das lojas, o egoísmo se instala nas almas e as paralisa. A advertência do autor não poderia ser mais angustiante: uma inanição semelhante, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, tomou conta do Ocidente e permitiu, quase sem resistência, a ascensão do inferno nazista.
Para entender como chegamos ao ponto em que chegamos, Lima Lins traça com impressionante erudição, desperta sensibilidade e fascinante elegância a trajetória das ações que, no plano da cultura, nos conduziram da modernidade ao que, – não sem reticências e questionamentos –, vem sendo chamando de pós-modernidade.
A armadura inusitada do texto denuncia o esforço para evitar simplificações desnecessárias. Cada uma das quatro partes que constituem o ensaio, tratando alternadamente da modernidade e da pós-modernidade, faz uso dos trípticos que organizam a reflexão em blocos de três segmentos. A metáfora é fecunda e remete, não sem certa ironia, a aproximações insuspeitas, algumas das quais o próprio autor aponta. Entre elas, a que remete, na tradição pictórica, a uma representação da trindade santa, que é ao mesmo tempo vontade de elevação e, em certa tradição marxista, à superação dialética expressa na tricotomia tese, antítese e síntese. Em conjunto sinalizam o esforço por ultrapassar a pele morna do cotidiano e comover a indiferença contemporânea.
Não estamos, por certo, diante de uma obra de fácil leitura, mas de uma daquelas reflexões indispensáveis à compreensão do nosso mundo. Afinal, como sabemos, os livros mais necessários são, frequentemente, os menos complacentes.
A organização da coleção é de Clarice Nunes, pesquisadora associada da Universidade Federal Fluminense e professora titular da Universidade Estácio de Sá
.Autor: Ronaldo Lima Lins
Editora UFRJ
Ano: 2006