Olho no Olho

Organizações Sociais: avanço ou retrocesso?

Rodrigo Baptista e Aline Durães

Ilustração: Caio Monteiro

Criadas pela Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998, as Organizações Sociais (OS) voltaram à pauta de debates do Supremo Tribunal Federal (STF). As organizações, ou apenas OS, são entidades privadas sem fins lucrativos prestadoras de serviço de interesse público que podem receber recursos orçamentários e administrar instalações e equipamentos do governo. Uma sessão do STF, que será realizada até o fim do mês, julgará a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.923, questionando a legalidade da gestão pública no modelo de contratação de Organizações Sociais.

Para discutir as vantagens e desvantagens da adoção desse modelo de gestão, o Olhar Virtual conversou com Ligia Bahia, professora do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva (Iesc), e Liana Cardoso, professora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs).

 

Ligia Bahia
Professora do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva (Iesc)

Não está comprovado que o modelo de gestão das Organizações Sociais é uma alternativa mais eficiente do que a administração direta, pois existem poucos estudos sobre o tema. A princípio, ele oferece algumas vantagens como a contratação mais rápida de mão-de-obra e a compra sem necessidade de licitação, o que acelera o processo burocrático. Entretanto, esse modelo configura-se como uma possibilidade de sobrepassar o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Federais, a lei de licitação e compras e a lei de responsabilidade fiscal. Então, a proposta das OS não vem embalada na ideia da eficiência; ela vem embalada na ideia de que é possível contornar problemas de rigidez burocrática do Estado brasileiro. Ao sobrepassar o estado, ela cai em uma série de problemas de legalidade. O STF está diante de uma polêmica complicada.
 
Para ser OS tem que ser uma organização não lucrativa, então, o estado é o responsável por isso. Na realidade, o que se faz é dar um passo atrás, que é terceirizar para uma determinada entidade gerir em troca do pagamento de uma taxa de administração. A diferença desse tipo de gestão pública para o modelo público estatal, da administração direta tradicional,  é que, no segundo, os trabalhadores estão protegidos pelo RJU, no primeiro, não. Na realidade, as organizações sociais não têm nenhuma obrigação de contratar por nenhuma das formas que a legislação propõe; nem pela CLT, nem pela RJU. Pode contratar da maneira que elas bem entenderem. Isso é um problema, pois ela contorna toda a legislação trabalhista desde os anos 30, quando conseguimos conquistar esse direito, então, estamos diante de um retrocesso de mais de 70 anos.


Na realidade, as organizações sociais não têm nenhuma obrigação de contratar por nenhuma das formas que a legislação propõe; nem pela CLT, nem pela RJU. Pode contratar da maneira que elas bem entenderem. Isso é um problema, pois ela contorna toda a legislação trabalhista desde os anos 30, quando conseguimos conquistar esse direito, então, estamos diante de um retrocesso de mais de 70 anos..



 Em São Paulo, o modelo de gestão tem dado certo. Pelo menos por enquanto, a população está sendo melhor atendida pelo modelo OS do que ela vinha sendo atendida antes. No Rio de Janeiro, está dando tudo errado. Então, é preciso saber e entender quais são essas OS que se apresentam e passam a administrar serviços públicos. Qual é a forma de supervisão dessas organizações? Enquanto São Paulo tem uma estrutura de supervisão e controle dessas organizações, o Rio não define nenhuma política nesse sentido.  Apesar desses dois exemplos opostos, ainda é cedo para afirmar se é válido ou não o modelo de gestão publicizada.

A qualificação de uma entidade como Organização Social não é  direito das instituições do terceiro setor, mas uma prerrogativa do poder executivo, que concede este título quando lhe convém. Isso pode facilitar a concessão de títulos por interesses, mas não deveria ser. Pelo menos, não pela legislação. Para ser qualificada como OS deveria ser necessária a apresentação de um conjunto de requisitos, o que não existe em nenhuma legislação brasileira. Seria fundamental, por exemplo, estabelecer tempo mínimo de experiência de gestão comprovada na área de atuação em que é requerida a qualificação de Organização Social. Até agora, no Rio de Janeiro, isso não tem funcionado assim. A lei deixa brechas para a qualificação de entidades criadas sem comprovação efetiva de serviços realizados. Em São Paulo, as OS que se apresentaram são oriundas de universidades e de instituições de saúde, que já contam com know how na área de gestão pública.

O que a legislação permite, que é ultracontroverso, é que servidores públicos sejam alocados nas Organizações Sociais, isso leva a uma complementação da remuneração desses servidores, que passam a ter um segundo vínculo. Isso torna esse profissional um híbrido público-privado. A médio ou longo-prazo isso tratá muitos problemas  trabalhistas, pois esse empregado, que conta hoje com essa “sobrerremuneração” pela OS, pode ficar em uma espécie de limbo. Ele pode ter problemas na hora da aposentadoria e  não receber o que tem direito ou mesmo na hora de tirar férias.

A vantagem principal é essa contratação imediata de profissionais. A principal desvantagem é exatamente o processo seletivo desses trabalhadores, que são convocados a “toque de caixa”. Não são necessariamente os profisssionais mais qualificados para o exercício da atividade. Em termos de compras, a vantagem é contornar o processo de licitação, que é demorado, o que se pode, em tese, levar a comprar mais barato. Por outro lado, a licitação é também a única forma de se garantir a transparência do processo e garantir que as compras e movimentações não sejam movidas exclusivamente por interesses particulares e não públicos.

O modelo de gestão das OS, se levado adiante, pode significar, por exemplo, o desmonte do Sistema Único de Saúde. O SUS busca a padronização, enquanto o modelo de administração da OS leva à fragmentação. Torna-se muito difícil criar e manter uma rede integrada com um conjunto de OS trabalhando, pagando salários diferenciados, atuando com procedimentos diferenciados, usandos metodologias diferencidas. Perdemos, assim, a unidade do sistema.

 

Liana Cardosoo

Professora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs)


As organizações sociais não são alternativas à gestão pública. Estas instituições são uma forma de complementação e, às vezes, até de oposição à gestão pública. Elas vieram no bojo da chamada modernização do Estado, com uma legislação específica no final dos anos 1990. Há controvérsia se são uma forma de descentralização da administração pública ou, o que parece ser mais correto, simplesmente organizações direcionadas para o estabelecimento de parceria com o Poder Público, no desempenho de uma atividade de interesse coletivo. A eficiência dessas organizações se define, de um lado, pela magnitude da dependência do dinheiro proveniente dos cofres públicos e, de outro, pela cultura política relativa ao uso do dinheiro público.  

As organizações sociais atreladas a instituições predecessoras — originadas de outras instituições mais fortes e mais enraizadas nas sociedades, como por exemplo, bancos, institutos de empresas estáveis, seções de organismos internacionais, instintos patronais, sindicais ou profissionais — bem como organizações associadas à igreja, a partidos políticos ou mesmo a escolas tradicionais resistem mais à retração do Estado e a eventuais cortes de fundos para sua atuação do que as iniciativas de pessoas jurídicas inteiramente independentes.  

Se, de um lado, as organizações dependem do Estado, por outro, elas dependem também da “atmosfera política” existente na sociedade, da cultura política e da ética predominante. É importante saber a magnitude da tolerância que os diferentes setores da sociedade têm para com o mau uso do dinheiro público. Vantagens e desvantagens do modelo organizacional em discussão, então, localizam-se na gestão moderna e ética do Estado bem como na atuação ética dos diferentes grupos dispostos a atuar para o bem comum, o interesse coletivo. .

Os cursos pré-vestibulares associados a igrejas e sindicatos obtêm sucesso com muitos de seus alunos, o que ilustra a ideia que defendo das instituições predecessoras serem um colchão protetor na atuação dessas organizações junto ao Estado. As instituições predecessoras têm experiência de atuação bem-sucedida na sociedade e, por isso mesmo, podem servir de modelo e tornam a ação dessas novas entidades sociais mais regradas e calculadas na busca de seus objetivos.   

Do ponto de vista societário, uma instituição se constrói através das necessidades econômicas, das normas sociais e dos objetivos culturais. Identificadas as necessidades, regras e objetivos, o funcionamento pleno torna-se possível. Porém, no mundo atual, uma instituição tem alto grau de incerteza para a emancipação do indivíduo aí contido. Se, de um lado, as organizações dependem do Estado, por outro, elas dependem também da “atmosfera política” existente na sociedade, da cultura política e da ética predominante. É importante saber a magnitude da tolerância que os diferentes setores da sociedade têm para com o mau uso do dinheiro público. Vantagens e desvantagens do modelo organizacional em discussão, então, localizam-se na gestão moderna e ética do Estado bem como na atuação ética dos diferentes grupos dispostos a atuar para o bem comum, o interesse coletivo.  

Meus achados de pesquisa se relacionam àquilo que eu identifico como padrões de relacionamento envolvendo relações internacionais, intergovernamentais e interentidades que se complementam e se opõem na decisão das políticas de expansão e de compensação educacional.  Eu caracterizo um padrão a partir do quadro de crescimento das iniciativas de entidades, associações e indivíduos dando voz ao setor privado. Esse setor promove projetos educacionais pontuais dirigidos por institutos e fundações de empresas e de bancos e, ainda, pela atuação de Organizações Não Governamentais (ONGs).  Todos afirmam querer inverter o padrão inflacionário do crescimento de matrículas para um padrão que refaça o desenho de gestão institucional.  Entretanto, o mais importante das vozes desse setor é o reconhecimento de que dependem da Educação Pública, do Estado para o sucesso de suas ações.