Entrelinhas

Vencendo o pânico

Aline Durães

Sem qualquer motivo aparente, o indivíduo para. Tudo ao redor adquire um ar estranhamente ameaçador. De repente, o coração começa a bater mais rápido, é a taquicardia. As mãos ficam geladas e trêmulas. O corpo irrompe em sudorese. Vêm, então, o medo e a sensação de morte iminente. Por alguns minutos, ele experimenta desespero e confusão mental.
Situações como essa são mais comuns do que se pensa e caracterizam uma crise de pânico. Segundo pesquisas, o transtorno do pânico (TP) afeta 3,5% da população ao longo da vida. É mais comum em mulheres e ocorre, em geral, entre os 25 e os 44 anos. Além dos ataques súbitos de ansiedade, o TP é marcado pelo medo perene de uma nova crise, o que compromete a qualidade de vida de quem sofre desse mal.
Não raro, muitos indivíduos com transtorno do pânico desconhecem a causa de seus sintomas, o que os leva a procurar serviços de emergência dos hospitais no momento das crises. A incompreensão dos profissionais de Saúde no atendimento pode contribuir para aumentar ainda mais o sofrimento desses pacientes.
Com o objetivo de esclarecer sobre sintomas e métodos de tratamento do transtorno do pânico, o professor Bernard Rangé, do Instituto de Psicologia (IP) da UFRJ, escreveu o livro Vencendo o pânico. Longe de querer substituir os tratamentos terapêutico e medicamentoso que, na maior parte das vezes, o TP exige, a obra reúne, no entanto, importante conteúdo que visa a munir os pacientes com pânico de informações que permitam tornar menos dolorosas e frequentes as crises.
Em entrevista ao Olhar Virtual, Rangé comenta o livro, que é resultado de 10 anos de pesquisa junto ao IP. O professor explica ainda quais os principais sintomas e causas do transtorno do pânico e enfatiza que a mudança no estilo de vida é um importante passo para a superação do TP. Confira!

Olhar Virtual: O senhor pesquisa o transtorno do pânico há mais de 10 anos. Como foi escrever esse livro? O senhor reuniu depoimentos de pacientes nele?

Bernard Rangé: Sim. Tenho experiência pessoal no atendimento de pessoas com pânico. Meu primeiro cliente foi uma pessoa que tinha transtorno do pânico e agorafobia (medo de se achar só em espaços abertos ou atravessar locais públicos). A partir desse cliente, eu decidi estudar o tema. Em 1993, quando entrei na UFRJ, montei um projeto de pesquisa voltado para  transtorno do pânico e agorafobia, o que acabou gerando o livro.

Olhar Virtual: Como diagnosticar o transtorno do pânico? Quais os sintomas mais frequentes?

Bernard Rangé: O transtorno do pânico é caracterizado por um conjunto de sensações corporais, tais como taquicardia, tonturas, falta de ar, dormência, formigamento, sudorese. Essas sensações costumam ser acompanhadas de pensamentos catastróficos, do tipo “vou morrer”, “vou perder o controle” ou “vou enlouquecer”.

Olhar Virtual: Todo indivíduo com TP tem crises de pânico?

Bernard Rangé: Sim. Além do pânico, existem outros transtornos de ansiedade, como a fobia social, a agorafobia, o transtorno obsessivo-compulsivo, o transtorno de estresse pós-traumático. Nesses, no entanto, não há crises. Em cada um desses transtornos, há a presença de ansiedade extrema, mas com características diferentes.

Olhar Virtual: Em graus mais elevados, o transtorno do pânico pode impedir pessoas de sair casa e de trabalhar?

Bernard Rangé: Esse quadro não caracteriza o transtorno do pânico. Isso acontece quando se desenvolve, em conjunto com o pânico, a agorafobia (medo de espaços fechados como elevadores, metrôs, pontes, túneis, aviões etc.). As pessoas com pânico não necessariamente ficam limitadas em sua mobilidade. Estima-se, entretanto, que três quartos delas desenvolvam a agorafobia em algum grau: podem deixar de ir a um determinado lugar, ou não passar por pontes ou evitar ficar engarrafado no trânsito, por exemplo.

Olhar Virtual: Existe um perfil de indivíduo que esteja mais suscetível a desenvolver o transtorno do pânico?

Bernard Rangé: Sim. Em primeiro lugar, há possíveis fatores de vulnerabilidade biológica. São dificuldades no processamento de serotonina, prolapso da válvula mitral etc. Além disso, existem os estressores sociais, fatores de risco para o pânico. Por exemplo, pessoas que são muito perfeccionistas tendem a ficar mais ansiosas no desempenho de suas atividades. No trabalho, as pessoas perfeccionistas costumam ficar mais estressadas com as cobranças do chefe do que aquelas que não são perfeccionistas. Pessoas pouco assertivas, que não conseguem dirigir a vida para aquilo que gostam e sentem prazer, também podem desenvolver pânico.

Olhar Virtual: O transtorno do pânico é hereditário?

Bernard Rangé: Não conseguimos identificar nitidamente nenhum traço de hereditariedade específico.

Olhar Virtual: O que desencadeia uma crise de pânico?

Bernard Rangé: Os fatores biológicos e os estressores sociais funcionam de forma conjunta no momento de uma crise. Não dá para separar uns dos outros. Os sintomas são reais e caracterizam uma ativação do sistema nervoso simpático. É uma reação de medo e fuga. Nos indivíduos com pânico, no entanto, esse tipo de reação acaba produzindo interpretações catastróficas.

Olhar Virtual: No livro, o senhor fornece informações e métodos que pretendem melhorar a qualidade de vida de quem tem pânico num prazo de oito sessões. Como é esse processo?

Bernard Rangé: O livro reúne conhecimentos internacionalmente fundamentados como eficazes no tratamento de pânico. A obra pretende divulgar esses conhecimentos para quem não estava informado a respeito. Há poucos anos, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) existia apenas em poucos estados brasileiros. Ou seja, a maioria das pessoas com transtorno do pânico ficava à mercê de terapias que não eram adequadas a seu problema.  Importante frisar que o livro não substitui o tratamento psicológico e/ou médico. Este não é um livro de autoajuda, mas, sim, uma obra que dá suporte para quem tem pânico e para quem vai tratar o pânico.

Olhar Virtual: Que aspectos singularizam a terapia cognitivo-comportamental das demais?

Bernard Rangé: Essa linha de terapia é sempre orientada para ser fundamentada empiricamente. As outras linhas não se importam em verificar empiricamente a efetividade de seus trabalhos. A TCC é mais estruturada, mais orientada para metas, se baseia na ideia de que somos resultados de aprendizados e de que aprendemos sentimentos, pensamentos e comportamentos. Ela valoriza um pouco mais o papel das interpretações.

Olhar Virtual: Uma pessoa é capaz de, sozinha, sem qualquer medicação ou terapia, livrar-se do pânico?

Bernard Rangé: É possível que algumas pessoas tenham tido pânico e, num momento posterior, se livraram dele sem o auxílio de terapia. Mas isso é raro. Em geral, a maneira mais adequada de tratar a doença é a terapia. O medicamento funciona sintomaticamente, mas não impede que as crises voltem a acontecer. O que vai impedir é a pessoa mudar a forma de processar as informações do mundo. 

Olhar Virtual: Qual o primeiro passo a ser dado para a superação do transtorno do pânico?

Bernard Rangé: Estar informado sobre os mecanismos fisiológicos e psicológicos que estão relacionados às situações de pânico. Entender a fisiologia e a psicologia da ansiedade é essencial. Isso possibilitará ao indivíduo frear as interpretações catastróficas e entender que os sintomas não são tão perigosos quanto ele pensa.

Olhar Virtual: Pânico mata?

Bernard Rangé: Não mata, mas é muito desagradável. Se o paciente não dispuser de estratégias que ajudem a tornar essas sensações menos desagradáveis, ele vai ter novas crises e, consequentemente, uma qualidade de vida ruim.

Olhar Virtual: Podemos falar em cura quando o assunto é transtorno do pânico?

Bernard Rangé: Não se fala mais em cura. Não temos uma vacina para o pânico. Não existe nenhum tratamento que impeça o problema de voltar no futuro. O tratamento permite ao paciente ter consciência do que acontece com ele e o instrumentaliza com habilidades que lhe possibilitarão contornar as situações, diminuindo muito a probabilidade de a crise se repetir no futuro.
Depois de dois anos de suspensão do tratamento medicamentoso, 70% das pessoas recaem. Fazer terapia também não significa que não haverá recaída. Cerca de 15% das pessoas apresentam crises depois da terapia. Mas note que há uma diferença significativa na efetividade da manutenção dos resultados do remédio e da terapia. Quem faz terapia recai menos do que quem não faz.
O livro ajuda o paciente a desenvolver estratégias de manejo, como a estratégia “A.C.A.L.M.E-S.E.” (Aceite sua ansiedade; Contemple as coisas à sua volta; Aja com sua ansiedade; Libere o ar de seus pulmões; Mantenha os passos anteriores; Examine seus pensamentos; Sorria! Você conseguiu; Espere o futuro com aceitação), por exemplo. Mas isso não é o suficiente. Se a pessoa não mudar a forma como vive, se não se tornar uma pessoa mais assertiva e menos perfeccionista, ela terá mais risco de recair em crise.