Falsas notícias mostram fragilidade da apuração jornalística
Em julho último, a contratação do jogador uruguaio Néstor “Colibiri” Coratella, pelo Villarreal Club de Fútbol, da Espanha, por 3 milhões de euros, junto ao Danubio Fútbol Club, do Uruguai, causou rebuliço, não apenas no mundo esportivo, como também no jornalístico. Tudo porque o craque “Colibri” nunca existiu. O atleta “fantasma” foi criado por internautas que publicaram, em um blog da internet, o anúncio de sua negociação. Para dar maior credibilidade, os inventores de “Colibri” postaram vídeos no YouTube, criaram um perfil no Facebook e ainda um fã clube para o suposto craque. A farsa só foi descoberta quando profissionais do jornal Observa fizeram o dever de casa mais elementar de seu ofício: apurar. Ao buscar informações sobre o atleta com seu suposto clube de origem, os jornalistas foram informados pelos cartolas de que se tratava de uma “brincadeira”.
Para Gabriel Collares, professor adjunto da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ, o caso é um exemplo do mau exercício da profissão. “É um jornalismo mal praticado e que acontece pelos imperativos de produção e consumo imediatos, pela fragilização das relações trabalhistas, pelo maxi-aproveitamento do profissional de imprensa que, por sua vez, acaba priorizando a quantidade à qualidade noticiosa”, analisa.
De acordo com o docente, os próprios leitores devem exercer a função de fiscalizar o que é publicado na imprensa. “A sociedade deve fazer um mea-culpa também. Questionar sempre, ler com atenção o que é publicado, ter senso crítico, procurar outras fontes para comparação”, alerta o professor. O docente afirma que a credibilidade dos veículos está diretamente relacionada à marca institucional. “Se você perde credibilidade, além de associar um ou mais fatos negativos à marca, os leitores podem migrar para outra mídia mais confiável, assim como os anunciantes”, observa. O professor acredita que as falsas notícias sistematicamente repetidas acabam se transformando em verdades. “Se todos falam ao mesmo tempo, numa polifonia delirante, quem avalia a informação?”, indaga.
“Abraço corporativo”
Foto:Divulgação |
O documentário "Abraço Corporativo", do diretor Ricardo Kauffman, também critica a fragilidade da imprensa, o risco de manipulação da informação e de como a mídia destaca pautas sem importância. O filme mostra a saga de Ary Itnem, porta-voz da Confraria Britânica do Abraço Corporativo (CBAC), que sai pela Avenida Paulista, em São Paulo, com um cartaz escrito "Dá um abraço?" e o endereço eletrônico da suposta organização. A trajetória dele chega ao YouTube – recebe cerca de 600 mil visualizações – a história é vendida a sites, jornais e revistas, até que a mídia nacional começa a entrevistar o suposto consultor. Três anos depois, a descoberta: a CBAC não existe.
“O filme é interessante porque mostra que nada mudou no que se refere à qualidade da apuração jornalística. Para preencher espaço no jornal, vale publicar releases das assessorias de imprensa sem checar, vale usar apenas fontes oficiais ou um texto que pouco acrescenta à informação que já obtivemos em outras mídias”, analisa o professor da ECO-UFRJ, para quem as redações nem sempre estão atentas aos detalhes que podem modificar o sentido de uma notícia. “Esta prática é extremamente perniciosa. Jornalismo não é isso”, afirma Gabriel Collares.
O docente questiona ainda aqueles “que pensavam que as novas tecnologias, por si só, poderiam significar mais qualidade”. Segundo Collares, “agora eles percebem que não é bem assim. Precisamos, de fato, de um novo jornalismo”. Para o professor da ECO-UFRJ, “os mídia livristas confundem liberdade de expressão com exercício profissional do jornalismo, atuando na linha de frente, pautando, apurando e redigindo. Em espaços noticiosos bem definidos, a contribuição é bem vinda, mas cada ‘macaco no seu galho’”, conclui Gabriel Collares.