A educação no Brasil sempre foi tema de muitos debates, mas nunca atingiu universalização. Hoje, crescem indagações a respeito da relação entre exclusão social e ensino de má qualidade, já que as instituições escolares funcionariam como reprodutoras das desigualdades. Buscando elucidar as falhas do sistema educacional e o reflexo de processos históricos nos atuais moldes de ensino, o Olhar Virtual conversou com Máximo Augusto Campos Masson, professor de Sociologia da Educação da UFRJ. Confira a entrevista.
Como você avalia o sistema educacional do Brasil? Pode-se apontar o ensino de má qualidade como principal responsável pela exclusão social?
Na verdade ninguém está excluído da sociedade. Há falta ou dificuldade de acesso a determinados bens materiais e simbólicos, isto leva uma grande parcela da população a ocupar posições subalternas na hierarquia social. A educação nas sociedades contemporâneas foi pensada como instrumento de ascensão, mobilidade social. No caso específico da sociedade brasileira, o processo de industrialização não veio acompanhado de uma elevada escolarização. Enquanto em outros países, a universalização do que chamamos de educação básica ocorreu, paralelamente, ao processo de desenvolvimento econômico, tecnológico. Na década de 70, a escolarização média da população girava em torno de três anos, e essa trajetória escolar diminuta reflete em questões atuais, como o ínfimo número de estudantes universitários. O sistema educacional, tal como é alocado, torna-se um dos responsáveis pela “exclusão social”, mas essa culpa não cabe apenas a ele. Quem tem acesso à boa educação são aqueles que dispuseram de condições anteriores bem definidas, como posse de capital econômico e cultural.
Quais as maiores falhas do sistema de ensino do país? Que fatores contribuem para a inércia desse sistema?
Os sistemas de ensino não estão articulados a projetos de desenvolvimento nacional, em termos econômicos e sociais. Isso faz com que a instituição escolar seja um instrumento de reprodução das relações de desigualdade de classe. Quem ingressa em escolas públicas acaba tendo, na grande maioria das vezes, uma trajetória e uma bagagem cultural menor e isso implica dificuldades de inserção no mercado de trabalho.
Muitos componentes suscitam a evasão escolar. Como sociólogo e educador, o que você aponta como principal fator desestimulante?
O índice de evasão no país é muito alto e se manifesta nos casos dos menos escolarizados. As mulheres negras e pobres são as que mais evadem, o que mostra o envolvimento das questões de etnia. A reprovação é outro fator desestimulante. Apesar das críticas feitas ao sistema de ciclos, que garante a aprovação automática, não o vejo como uma alternativa ruim. É preciso considerar que as escolas públicas, principalmente as estaduais, não são suficientemente atraentes para fazer com que estudantes considerem viáveis e significativas a permanência nessas instituições. No Ensino Superior, as causas de evasão são diferentes. Os problemas financeiros e a dificuldade em conciliar curso, às vezes em horário integral, e trabalho podem ser apontados como os principais fatores que levam o aluno à desistência.
Como você avalia o conjunto de disposições previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo Lula a fim de aprimorar o ensino?
Em relação ao PAC, não se pode dizer que há um projeto mais amplo para a educação básica e universitária, e sim um produto de respostas setoriais não muito bem articuladas para atender a algumas demandas, entre elas, o acesso ao Ensino Superior. Não há uma articulação entre universidade e produção econômica. Ainda se mantém um hiato muito grande entre empresas privadas, estatais, mistas e as universidades, consideradas os maiores centros de pesquisa no Brasil.
O atual sistema de ensino pode estar associado a que fatores políticos e históricos?
Nos anos pós-ditadura militar, a redemocratização do país não vem acompanhada de um crescimento econômico, de atendimento às demandas antes travadas. Houve uma adoção de políticas visando à minimização do estado e ao favorecimento do setor financeiro, o que acabou enfraquecendo a escola pública. No momento das eleições diretas para governador, em 1982, havia demanda popular por educação, sobretudo secundária (ensinos Fundamental e Médio), pressionando por políticas de ampliação do número de matrículas em rede estadual. Os Centros Integrados de Educação Pública – CIEPs criados por Brizola –, são uma demonstração de que havia uma demanda represada. Vivia-se um cenário de recessão econômica, políticas de controle fiscal mais severas (em relação aos gastos públicos, principalmente) e a resultante foi uma oferta precarizada para um público ampliado. Formaram-se muitas pessoas com baixa qualificação. No Brasil, há uma grande preocupação com a certificação, os estudantes ainda estão muito presos a exames. O que vai bem com a afirmação do Paulo Freire, quando ele diz que a nossa educação é bancária: o professor deposita conhecimento e, no final do mês, o aluno saca a prova.
Hoje, é notória a escassez de professores. Qual pode ser a causa do empobrecimento do magistério?
Não se pode esquecer: há quase duas décadas o país passou por um processo de contingenciamento de recursos salariais. O governo Collor fez cortes na ordem de 70%, não reajustou o salário dos professores e esta deficiência não foi revertida até hoje. Por isso, de um tempo para cá, há escassez de docentes dispostos a lecionar em regime de dedicação exclusiva, principalmente na área tecnológica. Isso, atrelado às precárias condições de trabalho, ao abandono do afeto aos bens culturais, naturalizou o empobrecimento do magistério. Hoje, é nítido o abandono das universidades particulares em relação aos cursos de licenciatura. Ao contrário da década de 70, quando as instituições privadas cresceram com ela. Já nas universidades públicas, não se vê manifestações expressivas das autoridades universitárias na luta contra esse empobrecimento. Por fim, é impossível pensar na melhoria da qualidade do ensino, que seria um auxiliar no processo de integração social, se não houver uma política salarial mais justa.