O anúncio feito no dia 6 de janeiro pelo novo ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, de que o anteprojeto para a Lei de Comunicação Eletrônica, elaborado sob a coordenação do ex-ministro Franklin Martins, não seria encaminhado para o Congresso deixou dúvidas sobre os rumos que o marco regulatório da mídia tomará no novo governo. O polêmico projeto prevê a regulamentação de artigos da Constituição que tratam de temas como liberdade de expressão e de criação, programação e conteúdo, percentual limite de investimento de capital estrangeiro em empresas jornalísticas, além da criação de uma agência para regular o conteúdo veiculado pelas mídias.
Contudo, mesmo a regulação da mídia sendo uma realidade em países desenvolvidos, como França e Reino Unido, além de em muitos países da América do Sul, a proposta brasileira despertou muitas críticas no setor de comunicação, principalmente entre as grandes corporações, ganhando conotações de censura.
Raquel Paiva, professora e coordenadora do Laboratório de Comunicação Comunitária da Escola de Comunicação da UFRJ, concorda com a afirmação feita por Franklin Martins de quechamar o controle social da mídia de “censura” é um truque adotado pelos grandes grupos de comunicação. “As estratégias dos senhores dos grandes grupos têm sido tratar o consumidor/audiência infantilmente, e a maneira mais fácil é fechar a questão em cima de dogmas, como esse da censura”, garante a docente.
Uma outra forte crítica dos que rejeitam o controle social da mídia é o fato de já existir uma regulação, como a classificação etária, por exemplo. Raquel, contudo, discorda deste argumento e afirma que “classificação etária é uma perfumaria barata que ninguém segue”. Para a professora, não funciona colocar a responsabilidade da audiência nas famílias brasileiras, pois o nível educacional – e consequentemente, a capacitação para exercer a crítica – no país é um dos piores do mundo. “Veículos de comunicação não são apenas para vender produtos, são formadores de opinião, educam, informam, inserem, trazem assuntos em pauta e mostram como podem ser elaborados os temas. É preciso responsabilidade com o que se veicula”, pontua ela. Além disso, Raquel defende que a regulação da mídia tem a possibilidade de definir os rumos da democratização no setor da comunicação, até hoje concentrado nas grandes corporações. Para isso, é preciso abrir essa “caixa preta” das emissoras, não apenas para as universidades, faculdades e escolas, mas para toda a população.
Paulo Bernardo tem uma postura semelhante ao apontar como um dos principais objetivos do projeto a proibição de um mesmo grupo de comunicação ser proprietário de rádio e TV. Ele defende uma mídia diversificada, desconcentrada e o mais plural possível. Para isso, pretende enviar o marco regulatório ao Congresso no segundo semestre deste ano. Contudo, procurando evitar que o projeto seja conduzido a partir de um “enfrentamento”, como Franklin Martins afirmou que poderia acontecer, Paulo Bernardo adotou uma postura mais cautelosa. Ele abrirá a questão para a consulta pública, com duração de 30 a 60 dias, seguida de uma avaliação das sugestões por parte do governo, que pode chegar a até 90 dias, para então enviar o projeto acabado para o Congresso, onde ainda haveria novas discussões. Outra garantia do novo ministro é a de que o texto elaborado para o marco regulatório não contemplará a mídia impressa.
Paulo Bernardo defende a execução destas medidas visando a deixar a proposta embasada e forte politicamente, de modo a agilizar sua aprovação no Congresso. No entanto, na opinião da professora Raquel, que vê o projeto como um passo, mas não um alvo, “todas estas atitudes são meras performances eleitoreiras e nenhuma discussão efetivamente profunda sobre a questão. A simples menção a qualquer necessidade de observação na produção da mídia sempre desperta imensas discussões na nossa sociedade. A lástima é que estas discussões são sempre alavancadas pelas grandes corporações temerosas dessa discussão”.
Para alguns, a atitude mais comedida de Paulo Bernardo demonstra uma busca maior pelo entendimento entre todas as partes interessadas, ampliando o diálogo e evitando maiores embates. Raquel, contudo, prefere não formar uma opinião precipitada e evitar fazer julgamentos sobre a postura do novo ministro: “Se eu julgar já vou entrar no mesmo jogo que temos visto dos pré-julgamentos, dos juízos sem fundamento e beirando a irracionalidade. Eu não sei o que vai ser. Espero que, no que se refira às formas alternativas de comunicação, se distancie bastante do que foi o governo Lula, que dentre todos os governos foi o que mais fortemente perseguiu e fechou as rádios comunitárias neste país. Vamos aguardar e continuar trabalhando, aprofundando o apoio às formas alternativas e contra-hegemônicas de comunicação.”