Olho no Olho

Crimes passionais: o amor que mata

Júlia Faria

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No último dia 17 de outubro, terminou em tragédia o seqüestro de Eloá Cristina Pimentel, durante 100 horas refém do ex-namorado, Lindemberg Alves. Inconformado com o término do namoro, o rapaz de 22 anos invadiu o apartamento de Eloá, na periferia de Santo André no ABC paulista. A jovem de apenas 15 anos foi baleada na cabeça e teve morte cerebral no dia seguinte ao fim do cárcere.

Ainda em outubro, no dia 19, Camilla Araújo, 16 anos, foi assassinada pelo ex-namorado Daniel Pereira. Ele desejava reatar o relacionamento, porém a vontade não era compartilhada pela adolescente. Após uma discussão, Daniel disparou um tiro contra a cabeça de Camilla, o que resultou na morte da jovem.

Em 2000, a jornalista Sandra Gomide, então com 32 anos, foi assassinada com dois tiros disparados pelo ex-namorado Pimenta Neves, insatisfeito com a separação. O também jornalista, que na época do crime dirigia a redação do jornal Estado de São Paulo, foi condenado a 19 anos de prisão e permaneceu somente sete meses na cadeia.

Estes são apenas alguns dos casos de mulheres que, após se decidirem pelo término do relacionamento, foram mortas por ex-companheiros. Estes homens que não souberam lidar com a rejeição, na maioria das vezes e anteriormente, já agrediram suas companheiras. Para entender um pouco mais a questão, o Olhar Virtual conversou com Bruna Brito, mestre e doutoranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia (PPGP), que esclarece pontos acerca da rejeição, e Rosana Morgado, professora da Escola de Serviço Social (ESS), que avalia a violência doméstica.

 

Bruna Brito
Mestre e doutoranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFRJ

A problemática vivida hoje em dia é a de lidar com a rejeição de um modo em geral, o que advém, em parte, da dificuldade dos pais em impor limites a seus filhos. A forma como uma pessoa reage à rejeição em um relacionamento, de alguma forma, é reflexo da falta de limites na família e na própria relação.

O que nós vemos, geralmente, é que acontece uma primeira situação de violência no relacionamento em que a pessoa agredida tem uma atitude condescendente e prossegue normalmente naquela relação amorosa. Quando, então, acontecem outros fatos agressivos e a pessoa resolve dizer “não”, acaba por ser tarde demais. É imprescindível, portanto, que os limites no relacionamento sejam impostos desde cedo.

No caso de reação abrupta daquele que foi rejeitado é preciso analisar todo histórico do relacionamento para notar comportamentos anteriormente já violentos, que indicam assim outros momentos em que a pessoa que rejeitou já poderia ter dado um basta à relação. É preciso compreender também que um relacionamento amoroso não tem como característica ser de causa e efeito, ou seja, não é possível esperar, por exemplo, que ao terminar com o namorado, ainda que de forma educada e respeitosa, ele aja da mesma forma.

A rejeição, sendo entendida como fim ao relacionamento, tem uma parte dolorosa. E esta pode refletir em ambas as partes, assim como acontece em uma relação de pais e filhos em que estes não querem ouvir uma negativa, enquanto aqueles também sofrem por precisar dizer “não”. Lidar com a rejeição, porém, não é algo que tenha uma fórmula pronta. Cada um reage de uma forma, cabe ao indivíduo buscar alternativas que não resultem na sua própria destruição, como em casos que o rejeitado se suicida, ou na destruição do outro, como ocorre em crimes passionais. O ideal, porém, é que a rejeição seja um aprendizado.

Em alguns casos, a pessoa rejeitada tem uma reação muito violenta, o que pode advir de traços comportamentais anteriores. É preciso entender que todo mundo tem raiva e o seu lado agressivo. A questão é saber lidar com isso. As pessoas, às vezes, acham que todos devem ser felizes e alegres, esquecendo a raiva. Porém, isso significa apenas que esta está sendo tratada como poeira que é empurrada para baixo do tapete. Esse processo de acumulação da raiva acaba, no entanto, sendo um dia extravasado em um rompante, o que pode ocorrer de forma muito violenta.

Algumas pessoas agem sempre agressivamente e acabam por agredir o outro. Talvez os homens exponham a sua agressividade de forma mais declarada, o que não significa que as mulheres sejam menos agressivas. Há uma questão cultural, da mulher submissa e do homem forte. Porém, não é impossível que uma mulher seja tanto ou mais agressiva que um homem. A raiva deve ser expressa, portanto, de forma viável ao convívio social, mantendo o respeito para com os demais indivíduos.

Há ainda que se atentar para a possibilidade de uma vitimização. Isto é, da utilização do fim do relacionamento como justificativa para todo tipo de atitude. Pode se ter delicadeza para lidar com a pessoa que acaba de experimentar uma rejeição, mas sem que se passe a mão na cabeça dela.

 

Rosana Morgado
Professora da Escola de Serviço Social
da UFRJ

A violência doméstica é um fenômeno social que atinge mulheres, crianças e adolescentes em todas as sociedades e em todas as classes sociais. É equivocado pensar que ela está presente apenas nas classes menos favorecidas economicamente. Nossa sociedade, e não somente ela, ainda mantém mecanismos que perpetuam processos de exploração e dominação. Assim, é importante compreender a violência doméstica como expressão das relações de poder estruturadas com base nas hierarquias de classe, gênero e etnia.

Diferente de um ato isolado de violência, como um roubo, por exemplo, a violência doméstica compreende uma relação que envolve também afeto. É marcada por sentimentos ambíguos e contraditórios. A mulher, na maioria das vezes, deseja que aquele companheiro deixe de ser agressor e passe a ser o cônjuge imaginado para sua vida familiar. Este desejo é reforçado quando o agressor pede perdão e afirma que conseguirá mudar. Muitas vezes, ainda, a mulher se sente culpada pelo comportamento violento do companheiro e se incumbe da tarefa de “mudá-lo”.

Além disso, por ser um fenômeno que tem como uma de suas características apresentar “longa duração”, identificam-se durante a relação inúmeros episódios de violência de gravidade física variada. Ao mesmo tempo, diferentes formas de violência são perpetradas simultaneamente, tais como: a psicológica e a sexual. Por ser crônica e rotineira, muitas vezes naturalizada e banalizada por diferentes segmentos da sociedade, pode levar ao assassinato.

É de fundamental importância, portanto, que a mulher consiga externar seu pedido de ajuda. Na maioria das vezes, ela inicia este pedido junto a seus familiares, que não acreditam nela ou naturalizam sua situação. Não encontra acolhida também junto a amigos, que têm receio de se envolver. Procuram, por último, o poder público que ainda se mostra moroso e ineficiente quanto ao oferecimento dos serviços.

De fato a mulher que sofre violência sofre preconceitos por parte tanto de profissionais que as atendem, quanto da sociedade em geral, especialmente quando ela não consegue romper com a relação. Ela é responsabilizada e acabam sendo reforçados ditos populares extremamente inadequados como: “mulher de malandro” ou “em briga de marido e mulher não se mete a colher”, pois o que esta mulher precisa é receber apoio para construir estratégias subjetivas e objetivas de superação. Para isto, é fundamental a estruturação de políticas públicas e programas sociais em número suficiente e de qualidade em todo o país.

Assim a “ajuda” externa à relação, em todos os âmbitos, é de fundamental importância para garantir proteção a essas mulheres. As estatísticas, embora precárias e parciais, têm demonstrado que a denúncia funciona como um forte elemento inibidor das agressões, contudo se não estiver associada a outras medidas pode perder seu efeito, reforçando um sentimento de impunidade no agressor.