Devido a reivindicações de comunidades surdas — impulsionadas pelo reconhecimento acadêmico da Língua Brasileira de Sinais (Libras) — e a uma política nacional de inclusão educacional, os deficientes auditivos estão tendo mais oportunidades de acesso e permanência nas instituições de ensino, seja básico ou superior.
Um diferencial que se nota entre estes dois níveis de escolaridade, no entanto, é que, enquanto o número de alunos surdos matriculados no ensino básico chega a 69 mil, no superior ele não ultrapassa 974, de acordo com o Ministério da Educação (MEC).
Para reverter esta realidade, a UFRJ disponibilizou a presença de intérpretes/tradutores de Libras/Português para acompanhar as surdas Fernanda Araújo, aluna da Escola de Belas Artes (EBA/UFRJ), e Myrna Salermo Monteiro, professora da Faculdade de Letras (FL/UFRJ), em suas atividades acadêmicas.
Além da presença de intérpretes, a universidade implantou em 1997, com pioneirismo no Brasil, a disciplina optativa “Estrutura e Funcionamento da Libras”, nas grades curriculares dos cursos de Letras e Fonoaudiologia. No entanto, tal iniciativa não se repetiu quanto à criação da licenciatura em Letras: Libras.
A licenciatura, da qual sairão profissionais para dar aula sobre a língua de sinais nos cursos de formação de professores (Normal, Licenciaturas, Pedagogia e Educação Especial) e de Fono, é uma determinação do Decreto nº 5.626/05 de 2005, o qual regulamenta a lei que oficializa a Língua Brasileira de Sinais.
De acordo com Deize Vieira dos Santos, professora da FL e pesquisadora da Libras, o curso de licenciatura deve ser destinado, principalmente, aos deficientes auditivos, para exercício do magistério: “o surdo, detentor da Libras como sua língua nativa, provavelmente seria o melhor professor, assim como acontece com um professor de inglês, por exemplo, nativo da Inglaterra”, aposta.
Educação para surdos no Brasil
ntes da educação superior para surdos, ganha importância a questão da alfabetização destas pessoas em sua língua nativa. A formação em Libras deve acontecer através da interação com a comunidade surda, assim como através de um sistema de educação apropriado, por tratar-se de uma língua que possui características próprias.
Ao contrário do que se imagina, a apresentação sinalizada do alfabeto oral (um empréstimo de outras línguas, em que as letras são dispostas manualmente de modo a escrever uma palavra), não é o modo principal de comunicação entre os surdos. Esta técnica é utilizada apenas para designar nomes de pessoas/estabelecimentos, ou para explicar, em última tentativa, uma palavra que não tenha sido compreendida pelo receptor.
A maneira principal pela qual os surdos se comunicam é através de sinais manuais e não-manuais, cuja configuração segue a “gramática” de sua língua: a posição e movimento da mão, o ponto de articulação do sinal — isto é, no corpo ou no espaço de sinalização — e as expressões faciais ou corporais.
“Alguns sinais apenas podem ser entendidos se houver a expressão não-manual. Por exemplo, no sinal para designar “magro”, junto com a configuração da mão (dedo mínimo estendido e outros dedos abaixados) e do movimento para baixo no espaço de sinalização, deve haver a expressão de sugar as bochechas. Sem esse conjunto de ações, a significação do sinal não seria completa”, expõe Deize.
Vânia Godinho, aluna da FL e pesquisadora da Libras, chama a atenção para a necessidade da aquisição da língua portuguesa, outro pilar de grande importância para a educação completa do surdo: “mais do que para se expressar, o ensino de Português para o surdo serve para ele compreender o que nós já produzimos em língua escrita, seja em livro, jornal ou em embalagem de produto”.
Avaliada a importância de ambas as línguas, após passar por técnicas de aprendizado que ora restringiam a comunicação por gestos, ora criavam um português sinalizado (que não é Português nem Libras), o sistema de educação começa a adotar um método bilíngüe de formação, em que o surdo adquire língua de sinais e aprende Português.
A língua oral, no entanto, deve ser passada ao não ouvinte de modo sistemático e diferenciado, com uma metodologia de segunda língua, por não ser adquirida naturalmente. Para Deize, “o papel da escola é ensinar ao surdo um sistema de escrita de alguém que não tem o sistema da fala internalizado”.
Para provar que o Português é segunda língua para os surdos, em sua dissertação de mestrado “Coesão e Coerência em Escrita de Surdos”, a professora analisou textos produzidos por eles e constatou a semelhança que apresentam em relação aos textos em português escritos por estrangeiros:
“Há pistas que permitem identificar que foi um surdo que escreveu. O uso inadequado das preposições, por exemplo, é característica de um estrangeiro. Esse é um argumento forte para dizer que o Português não é a primeira língua para o surdo”.
Difusão da língua: maior possibilidade da comunicação
Para propagar a língua de sinais, principalmente pela comunidade acadêmica, o Laboratório de Pesquisa e Estudo da Libras (Lapel, FL/UFRJ) oferece o curso de Extensão de Libras. “Quanto mais gente souber a língua, mais fácil será a comunicação. Diminuem as barreiras, aumenta a acessibilidade das pessoas surdas à educação e ao ensino”, afirma Deize, também coordenadora e pesquisadora do Lapel.
É em prol desta acessibilidade e em busca da propagação de sua língua nativa, que as pedagogas Cíntia Ribeiro e Flávia Caldas, surdas desde o nascimento, trabalham voluntariamente como instrutoras do curso. Para Cíntia, esta atividade também é satisfatória por ser uma troca: “estando na universidade, posso ampliar meus horizontes”, diz a professora através da intérprete Aline do Nascimento, estudante da FL e pesquisadora do Lapel.
A partir da observação das aulas do curso de Libras e das experiências trazidas de livros de línguas de sinais de outros países, o laboratório está trabalhando para construir um material didático referente. As ilustrações já estão sendo configuradas pelo surdo Áulio Nóbrega e o próximo passo é fazer a costura teórica. “É obrigação da universidade contribuir para a inclusão na educação dos surdos e de todos os portadores de deficiência”, atesta Áulio.