Ilustração: Caio Monteiro |
Durante a cobertura dos temporais que ocorreram no Rio de Janeiro na primeira semana de abril, percebeu-se uma intensa participação do cidadão comum na colaboração dos noticiários das rádios, dos jornais e, principalmente, internet. Muitas vezes os moradores das regiões eram os únicos a relatar os acontecimentos, já que o acesso era difícil para as equipes de jornalismo, com imagens e vídeos.
Para Cristina Rego Monteiro, professora da Escola de Comunicação da UFRJ (ECO), essa colaboração levanta diversos debates, como, por exemplo, o papel do jornalista na era digital. Para ela, o profissional não perde espaço com essa contribuição. “Na verdade, ganha com isso. A participação é importante e positiva”, afirma. Segundo Cristina, o jornalista jamais será substituído, pois ele exerce a função “de analisar, decodificar e interpretar” aquilo que é notícia.
O fato de que o leitor pode se tornar um “repórter” não desvaloriza a profissão, segundo a professora. Essa atividade é possibilitada graças às novas tecnologias digitais, mas o que realmente importa é o que vai ser feito com as informações. “O jornalista é um especialista da contemporaneidade. Ele interpreta o que eu gosto de chamar de mosaico: diversas realidades que vão formar um único desenho.”
Para Cristina, um dos grandes mitos criados pelas instituições de comunicação é a imparcialidade. "O ser humano, por si só, é parcial. Não existe jornalismo imparcial, existe jornalismo ético, que vai expor suas referências, consultar fontes confiáveis e ouvir o maior número de interpretações possíveis sobre aquele fato. Jornalismo investigativo é um pleonasmo, pois todo jornalista deve, sempre e em qualquer circunstância, investigar aquilo que escreve", afirma.
A professora da ECO frisa que, para uma interpretação ética, multifacetada e plural da realidade, é essencial uma formação que seja moral, intelectual e técnica. Por isso, Cristina acredita que a questão da obrigatoriedade do diploma do jornalista não entra no debate. “Só porque uma profissão não tem reconhecimento formal, não significa que ela perdeu importância ou que a sociedade não vai usufruir de seus conhecimentos.”
Pressão popular
Banalizar a profissão e transformar o jornalista em profissional de "segunda classe", segundo Cristina, impede uma discussão profunda sobre a complexidade da comunicação, pois envolve um jogo de poder. "Para se ter controle é preciso padronizar, transformar a realidade numa só. Mas isso desvia o debate e leva a equívocos de interpretação, pois uma realidade nunca é única, ela tem vários lados, várias interpretações. Você não pode achar que uma pessoa que mora na favela vai ter a mesma visão de mundo que uma pessoa de classe média", afirma.
De acordo com ela, a padronização, o estigma e a etiqueta também fazem parte da grande complexidade da comunicação e precisam ser entendidas e interpretadas de maneira ética. Em tal contexto, para Cristina, a TV tem uma voz privilegiada e poderosa na hora de transmitir informações. “Qual outro veículo têm o poder de transmitir exatamente a mesma coisa e ao mesmo tempo para 150 milhões de pessoas?”
Outros fatores de grande importância também determinam a crescente participação dos leitores na notícia. De acordo com a professora, existe uma questão econômica: a sobrevivência das grandes empresas. “O fato de essas informações virem de graça também é um fator que pesa.” Mas há também maior pressão da sociedade em tornar o jornalismo mais participativo. "Antigamente, por exemplo, a Rede Globo priorizava a qualidade técnica e, hoje, publica vídeos tremidos e fotos desfocadas. O que mudou foi a pressão por parte dos leitores em participar daquilo que é reportado.”
Para ela, a utilização das informações para usos dirigidos é uma questão ética, mas que não deve ser discutida apenas nesse contexto. “A questão do caráter vai além do jornalismo. É uma questão humana, existe em diversos setores da sociedade e faz parte dessa realidade complexa , que deve ser discutida”. Com a evolução ética da sociedade, em todos os parâmetros, essas questões terão menos importância, pois a prática será muito menor. “Isso acontece não só com as informações dos leitores, mas com toda e qualquer coisa dentro da sociedade”.
A participação dos leitores é importante e extremamente positiva, “mas uma análise jornalística sobre os fatos é o que vai determinar sua utilidade, principalmente, a qualidade jornalística”, afirma Cristina, para concluir: “Quem dá sentido real àquela informação é o jornalista, pois ele está preparado – intelectual e moralmente – para analisar e entender as diversas realidades e as complexidades da nossa sociedade.”