No dia 17 de outubro do ano passado, o deputado Henrique Afonso (PT-AC) apresentou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei PL-2231/2007, que insere o Artigo 26-B na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabelecendo a obrigatoriedade do ensino da História e da Cultura dos Povos Indígenas em todas as escolas do país. A proposição complementa o artigo 26-A da mesma lei, que torna obrigatório também o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
Sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último dia 10 de março, a proposta altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e já foi publicada no Diário Oficial da União. Entretanto, a medida suscita uma série de questões sobre a forma como a história indígena será abordada nas salas de aula. Para esclarecer a polêmica, o Olhar Virtual conversou com Ana Canen, professora da Faculdade de Educação (FE/UFRJ) e especialista em Educação multicultural.
Olhar Virtual: Como a senhora analisa o projeto de lei que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Indígena? Qual a importância da inclusão dessa temática para o melhor entendimento do Brasil pelo aluno dos Ensinos Médio e Fundamental?
Assim como a lei anterior que instituiu a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas, essa lei é de extrema importância porque indígenas e africanos, que efetivamente também fazem parte da história brasileira, serão abordados nas aulas de história. Essa lei fará com que professores e alunos discutam, no ambiente escolar, o Brasil como uma nação multicultural. Geralmente, índios e africanos são historicamente retratados por uma perspectiva que os estereotipa. Agora, esses grupos étnicos poderão ser apresentados não só pelo passado histórico, mas também pelo que representam para a sociedade brasileira no presente.
Olhar Virtual: Como as instituições de ensino devem se preparar para cumprir a lei? Que mudanças devem ser estruturadas no ensino de História para que a história indígena seja contemplada?
Para que o cumprimento da lei seja garantido, é necessário que as escolas — munidas de recursos financeiros destinados por órgãos do governo, como a Secretaria de Educação — estabeleçam parcerias com universidades, grupos de pesquisas e movimentos sociais que desenvolvam estudos sobre a diversidade cultural. De fato, o multiculturalismo tem ritos e tradições, porém ensinar a história indígena não é apenas folclorizar esses valores. Ritos e tradições também devem ser utilizados para discutir o que os índios representam hoje, incluindo uma reflexão sobre justiça e condições socioeconômicas.
Olhar Virtual: Os professores devem receber uma orientação especial que os torne mais aptos a lidar com o assunto em sala de aula?
Sem dúvida alguma, é preciso que os professores sejam sensibilizados e que recebam uma educação continuada para que sejam capazes de orientar crianças e adolescentes a não decorarem os conteúdos ensinados, mas a usá-los como forma crítica para pensar e questionar a sociedade e a diversidade cultural.
Olhar Virtual: Sob qual ponto de vista a história indígena deve ser contada? A história lecionada deve ser oficial, aquela produzida pelos intelectuais comprometidos com o poder, ou uma outra história, mais voltada para a narrativa sob o ponto de vista dos excluídos e menos favorecidos?
A lei pode até ser bem intencionada, mas o surgimento de efeitos dependerá da forma como a história indígena será abordada nas salas de aula. É importante que esse assunto não seja tratado como a história do “outro”, do “diferente”. Contar a história brasileira não pode ser encarado como uma concessão dada às elites. Os professores precisam mostrar aos alunos como a nossa sociedade se enriquece com a diversidade cultural. Somente assim poderemos formar gerações mais abertas ao multiculturalismo.