A bicicleta pode fazer parte do cenário da cidade maravilhosa como importante meio de transporte dos cariocas. A aposta mais contundente neste sentido é a da Secretaria de Transportes do Rio de Janeiro, que, através do projeto Ecovias, visa construir ciclovias às margens dos rios Sarapuí, Meriti, Pavuna e Acari, na região da Baixada Fluminense. Ligando Caxias a Belford Roxo e Costa Barros a Pavuna, as ciclovias levariam o trabalhador às estações de trem e metrô de graça, e melhorariam o trânsito de automóveis ao mesmo tempo em que evitariam a favelização à beira dos rios.
No entanto, antes de implantar projetos de ciclovias – partindo de exemplos de sucesso de países europeus como Holanda e França, devem ser analisadas questões estruturais do Rio de Janeiro, como o clima da região e a segurança pública. Para levantar as vantagens e os possíveis entraves ao uso da bicicleta como meio de transporte para ir para o trabalho, o Olhar Virtual conversou com professores da UFRJ.
“No Rio de Janeiro, temos exemplos de ciclovias bem-sucedidas, como a da Lagoa, de Copacabana e do Flamengo, por exemplo. No entanto, elas são usadas mais para o lazer do que para o deslocamento para o trabalho, porque nossa cidade é muito quente durante grande parte do ano. De qualquer forma, ainda que seja para os cidadãos terem uma opção a mais de lazer, a idéia de construir ciclovias é válida.
As áreas de margens de rios, sujeitas a inundações, muitas vezes insalubres (com odores, insetos etc.), de solo inadequado para fundações, são áreas, em geral, pouco procuradas pela população de alta renda. Por serem consideradas menos nobres para habitação, elas acabam sendo utilizadas pela população de baixa renda para construção de moradias. Utilizar a construção da ciclovia para inibir a ocupação das margens dos rios pode ter um efeito prático positivo, embora não resolva o problema habitacional das cidades.
A preocupação de algumas entidades com a possível degradação da mata ciliar (vegetação que fica próxima aos rios, porque aproveita a água do lençol freático que aflora às suas margens) e dos ambientes de manguezal (ambientes de transição entre o mar e o continente, com uma vegetação específica que consegue prosperar ali) devido à implantação de ciclovias pode ser um pouco exagerada. A construção à beira dos rios, evidentemente, vai acarretar algum grau de desmatamento ou retirada da cobertura nativa com mobilização de terra, porém, de um modo geral, o impacto positivo em longo prazo deve superar o negativo, caso a ciclovia seja operada e mantida adequadamente. O que prevalece, com relação ao meio ambiente, é a preservação das margens dos rios, seja impedindo a ocupação, seja com ações de replantio, como acontece na lagoa Rodrigo de Freitas e em outros locais.
O projeto deve atentar para o problema do caos urbano. No Rio de Janeiro, por exemplo, a movimentação intensa de veículos e a falta de segurança podem ser um entrave à disseminação de ciclovias. Ao contrário de outras cidades e países, aqui não se vê uma família despreocupada andando de bicicleta pelas ruas à meia-noite. Esse fator também deve ser levado em conta.”
“O trânsito no Rio de Janeiro continua dependendo muito de transporte coletivo. O carioca, ao contrário do usuário de São Paulo, por exemplo, usa mais transporte coletivo do que individual, o que é uma coisa boa. Quase 70% das viagens são feitas em trem, metrô, barca, ônibus e van. Apenas 30% das pessoas vão trabalhar com automóvel. A idéia das ciclovias é interessante; conseguir diminuir ainda mais o número de automóveis próprios nas ruas pelo incentivo ao uso de bicicletas seria ótimo.
No entanto, há uma dúvida muito grande sobre se as ciclovias podem desafogar o trânsito no Rio de Janeiro. Isso porque não se sabe, exatamente, qual é o mercado que este novo modo de se locomover está atingindo. É o mercado do usuário de automóvel, do usuário de ônibus ou do usuário de van? Não existe nenhuma experiência anterior que nos forneça estas informações. Isso deveria ser medido, para se saber de onde vem a pessoa que está usando a bicicleta; saber o que pode ser melhorado, qual foi o impacto. Para o projeto acontecer, tem que ser feito um levantamento de dados, tem que haver uma facilidade no uso da bicicleta.
Além disso, ainda há o agravante do clima. Se estiver chovendo, quem vai andar de bicicleta? Se estiver muito calor, será que a pessoa vai sair de seu automóvel ou de um ônibus com ar condicionado e chegar suado na estação do trem? Precisaria existir um lugar para trocar de roupa, para tomar um banho, eventualmente. Não dá para comparar os hábitos do Rio com os da Holanda, por exemplo, onde é possível se movimentar sem suar, sem ficar com a roupa inutilizável para enfrentar o dia. Estes pontos têm que ser pensados, são problemas que dificultam o uso da bicicleta para o fim a que se pretende. É uma questão de adequabilidade da bicicleta como meio de transporte para o trabalho.”