Assim é considerado o Brasil após divulgação dos resultados da pesquisa A nova classe média, realizada pelo economista Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). De acordo com a pesquisa, 51,89% da população economicamente ativa, em abril de 2008, pertence à classe C, correspondente a famílias com rendimento familiar entre R$ 1.064 e R$ 4.591. A partir de pesquisas do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE) e de dados do Ministério do Trabalho, a FGV também verificou a diminuição das desigualdades sociais e da pobreza. Nas seis regiões metropolitanas – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador – o nível de pobreza caiu 13,5 pontos percentuais.
As causas atribuídas pela FVG são o aumento de emprego com carteira assinada e o bom desempenho da economia brasileira frente às crises externas. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), contudo, discorda das razões conferidas. Segundo o Ipea, que realizou pesquisa no mesmo âmbito, as causas para a ampliação da classe média e da redução das desigualdades sociais seriam: o aumento real do salário mínimo e os programas sociais desenvolvidos pelo Governo.
O Olhar Virtual conversou com os professores Fernando Carlos Lima, do Instituto de Economia (IE) e Valter Duarte, chefe do departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), para entender melhor a questão e as razões para o aumento verificado na classe média brasileira e a redução do percentual da pobreza.
As pesquisas do IPEA e da FGV apontam uma direção comum, apesar de divergir quanto às causas. Se programas como bolsa família dificilmente explicam o aumento da classe média, dificilmente não explicam a redução da pobreza. Por outro lado, pelos critérios estabelecidos para definir “classe média”, quatro residentes de um mesmo domicílio recebendo um salário-mínimo cada um, com carteira assinada, já seriam capazes de fazer esta família integrar a classe média. O fato de a pesquisa da FGV considerar a renda familiar, e não individual, pode causar distorções, mas não invalida o resultado geral. Portanto, quaisquer das conclusões apontadas são passíveis de críticas, mas muitas delas são meros reflexos de diferenças ideológicas ou meramente político-partidárias.
A economia brasileira tem apresentado taxas razoáveis de crescimento nos últimos anos, provocando um aumento da demanda por mão de obra e, conseqüentemente, dos salários oferecidos. Esse crescimento tem se estendido para setores modernos, que exigem trabalhadores mais qualificados, que fazem parte do mercado formal de trabalho portanto, com maior tendência a ter carteira assinada; de fato, já há queixas, por parte de associações empresariais, de que em certos segmentos há escassez de mão de obra especializada. Por outro lado, a inflação tem se mantido dentro das metas estabelecidas pelo governo, permitindo assim que ganhos nominais de salário representem ganhos reais (isto é, descontada a inflação). É natural, portanto, que estes fatores acabem por proporcionar um aumento médio de renda de parte da população.
O crescimento da economia em um ambiente de estabilidade relativa dos preços contribui tanto para o aumento da classe média como para a redução da pobreza, mas, como já ficou claro em outros momentos históricos, o crescimento econômico, por si só, não leva necessariamente a uma melhor distribuição da renda. Para tanto, é preciso que o Estado promova medidas concretas nessa direção. De fato, o governo tem se comprometido a atuar em duas frentes que indubitavelmente ajudam a reduzir as desigualdades de renda, a saber, a política de elevação do salário mínimo acima da inflação e promoção de programas de transferência direta de renda para populações mais pobres. Assim embora o número de pessoas muito ricas venha aumentando, estudos indicam que a distribuição de renda tem melhorado no Brasil.
Se a economia continuar crescendo, se o salário mínimo continuar aumentando em termos reais e se os programas de transferência de renda forem sendo aprimorados, a tendência a uma melhor distribuição de renda persistirá. Em termos estritamente econômicos, algumas condições são fundamentais para isso, como a manutenção da boa situação econômica internacional e a redução da taxa de juros interna o que permitiria aumentar os investimentos públicos na área social, como Educação e Saúde.
Tudo que é dito sobre o aumento da classe média e a diminuição da pobreza depende dos critérios que definem "classe média" e "pobreza". Por isso, dentro de seus critérios, cada um, FGV ou IPEA, pode estar certo. E nós podemos até discordar desses critérios ou não concordar com nenhum dos dois. Agora, de fato, o aumento de empregos com carteira assinada amplia o número dos que podem dispor de crédito direto ao consumidor, ainda mais se esses novos empregos estiverem numa faixa salarial que permita um excedente monetário, isto é, um dinheiro a mais do que se gasta com as necessidades básicas.
Em relação ao salário mínimo, não há dúvida, ele está mais "abrangente", "poderoso", mas talvez não chegue a possibilitar crediários, a menos que componha a renda de uma família, seja no seu todo ou numa parte excedente. E, da mesma maneira, a política de assistência social, sem conceder os elementos necessários como cestas básicas, roupas e sim os meios de adquiri-las. Aumenta também a possibilidade de famílias terem em quem recebe os auxílios monetários, como as bolsas, os seus excedentes.
Enfim, creio que os critérios para considerar um indivíduo acima da "pobreza" ou ascendido à "classe média" sejam relativos a excedentes monetários, possibilidade amplamente estendida no país, até um certo nível de renda, com os novos empregos, o maior poder aquisitivo do salário mínimo e a política social por meio de bolsas, de dinheiro distribuído.