Historicamente, existem cursos marcados por uma presença majoritária de homens e outros, por mulheres. Quando se pensa em Enfermagem ou Nutrição, vem à mente uma sala lotada de mulheres, enquanto que, do lado masculino, tal cena se repetiria ao falar, principalmente, de Engenharia. Essa idéia não acontece por acaso; toda a formação social influencia nisso.
Entretanto, é necessário distinguir o mito da realidade, analisando a situação atual desses cursos e carreiras em que se observa uma espécie de opção socialmente demarcada. Para isso, o Olhar Virtual conversou com o professor da Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN), Antonio José de Almeida Filho, e com o professor e diretor da Escola Politécnica, Ericksson Almendra, abordando os cursos tidos como essencialmente femininos ou masculinos.
"A Escola de Enfermagem Anna Nery pode representar a Enfermagem no Brasil por ter sido a primeira escola dessa atividade no país. A Enfermagem começou com a formação fundamentalmente feminina, tratando-se do que hoje chamamos de ensino de enfermagem moderno. Havia um regulamento em que constava que apenas mulheres solteiras, divorciadas ou viúvas (pois não teriam que dividir a atenção do trabalho com ninguém) poderiam freqüentar a escola. Além disso, elas tinham que apresentar um documento afirmando que eram moças de boa família. A escola recebia mulheres de todas as partes do país e que ficavam em regime de internato sob os cuidados da diretora da Anna Nery.
Com a Reforma Universitária de 1968 e a conseqüente criação do Vestibular, a seleção dos alunos deixou de ser feita pela própria escola, o que diminuiu o controle de quem ingressava na instituição. Até então, homens não eram permitidos, até que, em 1971, a Anna Nery recebeu a primeira turma contendo alunos do sexo masculino. A escola teve que se adaptar para atender a uma outra demanda de pessoas. Por exemplo, o pavilhão de aulas só tinha banheiro feminino, pois os únicos homens que passavam pela escola eram os professores da Faculdade de Medicina, que davam aulas específicas. A escola teve que passar por uma grande adequação no trato, no lidar com esse sujeito, socialmente constituído, diferenciado da mulher.
A Enfermagem, originalmente, é feminina, porque era uma profissão que visava o cuidar — atividade que, na sociedade, era papel fundamental da mulher. Exemplo disso é o fato de ser a segunda profissão feminina no Brasil, perdendo apenas para a licenciatura; as professoras tinham a função de educar os outros pois, como mulheres, educavam seus próprios filhos e poderiam estender tal atividade. Hoje, o curso continua sendo hegemonicamente feminino. Empiricamente, acredito que haja apenas 10% de alunos do sexo masculino em cada turma; na turma do primeiro semestre do vestibular 2007, são apenas quatro homens em um total de cerca de 70 alunos.
Podemos destacar vários motivos para isso, mas o aspecto cultural de que o cuidar é socialmente feito para as mulheres ainda se destaca. Além disso, os homens foram socialmente preparados para assumir cargos de liderança, o que, na área da saúde, está atrelado à Medicina. Isso gera um fenômeno interessante; mesmo na Enfermagem, que tem muito mais mulheres que homens, os postos mais elevados estão sob controle masculino, como a direção dos conselhos regionais, as chefias de enfermagem e até mesmo os Diretórios Acadêmicos das escolas, como já visto aqui na Anna Nery. Alguns chegam a mudar de função, a agregar uma outra profissão em busca de cargos de liderança. Proporcionalmente, esse quadro não reflete os números das salas de aula.
Deve-se ressaltar que esse fenômeno está mais ligado ao nível superior. Nos cursos técnicos de Enfermagem, por exemplo, ainda há mais mulheres, mas não na proporção que se observa nos cursos superiores. Além disso, se observa hoje o fato de mais de 50% das cadeiras das universidades estarem sendo ocupadas por mulheres, então, em uma carreira historicamente feminina, essa proporção é muito maior.
Em geral, se considerarmos o mundo contemporâneo, em que o mercado é desfavorável a mulher — remuneração menor pelo mesmo cargo ou até mesmo dificuldade de inserção —, é importante haver um espaço hegemônico feminino. O homem que quiser entrar na Enfermagem vai ter que trabalhar bem e sempre sendo minoria."
“O número de mulheres e homens na Escola Politécnica varia muito, mas o que se constata é que, ano a ano, elas procuram mais as engenharias. Há certas modalidades em que o número de mulheres já é bastante grande, como em Engenharia de Produção e Engenharia Ambiental, mas também existem aquelas em que a procura continua sendo baixa.
Confesso não entender o que exatamente faz as mulheres preferirem certos cursos a outros. Elas são muitos atraídas pela Engenharia de Produção, como já vimos, mas não despertam muito interesse pela Engenharia Elétrica, o que faz um certo sentido. Curiosamente, há uma grande procura pelo curso de Engenharia Metalúrgica e de Materiais. No senso comum, metalurgia está ligado a algo pesado, agressivo, ao calor, metal fundido, mas é o curso da Escola Politécnica que tem mais professoras e alunas.
Apesar de o corpo discente da universidade apresentar mais de 50% de mulheres, nós não temos nenhum curso em elas sejam maioria. Nos mais procurados, como Metalurgia e Produção, elas não ultrapassam os 30%. Há cursos com uma faixa intermediária de meninas, como Civil e Ambiental, e aqueles que apresentam poucas alunas, como Elétrica e Mecânica.
Como uma explicação geral para isso, podemos considerar o fato de, antigamente, as mulheres terem menos acesso à educação superior, já que tinham obrigação de ficar em casa. Isso vale para as sociedades em geral; algumas mais drasticamente, em que a mulher sequer estudava. Isso mudou. No Brasil, as mulheres têm igualdade total de direitos desde a metade do século passado; mas, por trás disso, está a questão social, que só vai se resolver aos poucos, a medida que a mulher concorre no Vestibular, é aprovada, se torna professora, e o processo é iniciado.
Em relação ao mercado de trabalho para as engenharias, acredito que haja um empate entre homens e mulheres. Tivemos um caso em que duas empresas nos procuraram em busca de recém formados: uma exigiu que fossem todos do sexo feminino e outra exigiu que fossem do masculino; mas isso é algo que quase não acontece. Há cerca de 25 anos, uma turma foi visitar a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) e teve um problema de acomodação, pois tinha uma menina no grupo e não havia acomodação para ela. Hoje, há várias engenheiras na companhia; inclusive, já foi presidida por uma mulher.
As mulheres apresentam algumas vantagens em relação ao homem, o seu preparo biológico as torna mais adequadas ao mundo de hoje. Elas amadurecem mais cedo, são mais determinadas, sabem trabalhar melhor em grupo, se preocupam com os detalhes — qualidades que o mercado de hoje valoriza mais que agressividade e vontade de subir na carreira, características tidas como masculinas. Então, Engenharia também tem espaço para as mulheres."