Ao longo de mais de 40 anos, Heloísa Buarque de Hollanda ministrou aulas, realizou pesquisas, escreveu livros, produziu programas e serviços para diversos meios de comunicação e criou uma editora. Assim é a trajetória profissional da professora aposentada da Escola de Comunicação (ECO) e diretora do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC) da UFRJ.
Para narrar os inúmeros projetos, a professora, aos 70 anos, escreveu Escolhas – uma autobiografia intelectual. O livro, organizado pelo escritor Ramon Melo e apresentado por Beatriz Resende, coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura (FCC) da UFRJ e ex-aluna de Heloísa, traz os principais momentos da carreira da mulher que é considerada uma visionária por antecipar tendências e perceber sucessos antes mesmo de eles despontarem.
Em entrevista ao Olhar Virtual, Heloísa comenta alguns episódios de sua carreira. A docente é enfática ao afirmar que a universidade é seu local primeiro de trabalho e que, embora sua relação com a instituição tenha sido marcada por conflitos, não pretende abandoná-la tão cedo.
Olhar Virtual: Por que escrever uma autobiografia intelectual?
Heloísa Buarque de Hollanda: Na realidade, não fui eu quem inventei. Eu tinha um memorial que estava mais do que na hora de publicar, porque não é apenas um documento acadêmico, mas sim um memorial que conta um pouco a minha história. Foi uma sugestão do Eduardo Coelho, diretor da editora Língua Geral.
Olhar Virtual: Quanto tempo demorou a confecção do livro?
Heloísa Buarque de Hollanda: Dez dias. Tínhamos um prazo da editora. Me tranquei em Búzios, não falei com ninguém, não fui à praia, não almocei e entreguei.
Olhar Virtual: A primeira parte do livro é composta do memorial escrito para o concurso público, realizado em 1993, no qual você se torna professora da Escola de Comunicação. Qual a importância desse documento?
Heloísa Buarque de Hollanda: Ele é um documento que reúne informações desde que comecei a estudar até o momento do concurso. O restante do livro contém a trajetória de 1993 até hoje.
Olhar Virtual: O título do livro é Escolhas. Como você escolheu o que constaria na obra?
Heloísa Buarque de Hollanda: Eu contei realmente tudo que havia acontecido. Foi uma autobiografia intelectual mesmo. Falei das pessoas que atuaram comigo, das realizações, dos acertos, dos erros. Tem um pouco da minha vida pessoal, porque, em determinados momentos, é impossível separá-la da vida profissional. Segui, mais ou menos, o meu currículo. É um romance de formação mesmo.
Olhar Virtual: Se você tivesse que eleger um acerto dessa trajetória intelectual, qual seria?
Heloísa Buarque de Hollanda: A universidade. Sempre tive uma relação de conflito com ela. Não fiz uma carreira administrativa aqui: nunca fui diretora de unidade, nunca quis ser reitora. Minhas publicações não são publicadas em locais de divulgação de obras acadêmicas. Eu escrevo aquilo que professor não deve escrever. Mas a universidade é o meu lugar de trabalho, meu lugar de produção, é o lugar da minha vida. Tudo que eu fiz foi aqui. Não tem como não reconhecer o afeto e a ligação alucinada que tenho com essa instituição. É um casamento em que a gente briga, mas volta.
Olhar Virtual: E o que foi um erro?
Heloísa Buarque de Hollanda: Foi eu ter escolhido fazer o que eu faço. Eu queria ser arquiteta. Se pudesse começar de novo, jamais escolheria cursar o que cursei. Eu tenho uma editora onde faço capa de livro, faço cenografia nos meus locais de trabalho. Já fiz para cinema, para teatro. Seria mais legal se eu tivesse desenvolvido esse interesse completamente.
Olhar Virtual: Você já passou por diversas instituições: UFRJ, Fundação Carlos Chagas, editora Aeroplano, Jornal do Brasil. Essa diversidade institucional ajudou você a montar o seu pensamento plural?
Heloísa Buarque de Hollanda: Sem dúvida. Já tive um programa de televisão na TVE, fui colunista do JB, fui diretora do Museu da Imagem e do Som, produzia e apresentava um programa de rádio chamado “Café com Letras”. Sempre tive algo externo à universidade, porque não me bastava seguir a carreira acadêmica. Tinha um pé fora e um dentro da UFRJ. Interessante que esse pé fora podia ter me tirado daqui, afinal é muito mais atraente, mas eu sou viciada na universidade.
Olhar Virtual: O que representou o ensino na sua trajetória profissional?
Heloísa Buarque de Hollanda: Foi maravilhoso. Dedico um capítulo inteiro do livro a ele. Foram 40 anos lecionando sem parar. Só parei agora porque me aposentei. Já tive alunos muito bons que trazem a novidade para a sala de aula.
Olhar Virtual: Você é encarada como uma visionária por dar espaço para novas tendências quando elas ainda não estão em evidência. Você se considera assim mesmo?
Heloísa Buarque de Hollanda: A minha especialidade, desde o começo, foi a microtendência. Por isso, não acho que seja visionária, mas uma pesquisadora com objeto de estudo estabelecido. Eu trabalho com a periferia, por exemplo, desde 1993. Não existia essa discussão. Eu pego as coisas bem no início delas.
Olhar Virtual: Como você consegue enxergar essas novas tendências?
Heloísa Buarque de Hollanda: Leio jornais com tesoura, para começar. Tenho também áreas específicas de interesse. Sempre gostei, por exemplo, da cultura à margem. Então já tenho as minhas estratégias para lidar com isso.
Olhar Virtual: Qual a nova tendência?
Heloísa Buarque de Hollanda: Eu diria que um dos projetos mais audaciosos em curso hoje na UFRJ é a “Universidade das Quebradas”. Começa em março, mas fizemos uma experimentação no semestre passado. Trazemos alunos da periferia para a universidade. Aqui, a cada quinze dias, eles aprendem sobre os aedos gregos, sobre artes plásticas na Antiguidade etc. É muito importante que eles adquiram essa bagagem, pois isso melhora o trabalho deles.
Olhar Virtual: No livro, você diz que a criação do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC) melhorou sua relação com a universidade. O PACC hoje corresponde às suas expectativas iniciais?
Heloísa Buarque de Hollanda: Corresponde. Ele se tornou reconhecido na universidade e isso é importante.
Olhar Virtual: Você acabou de se aposentar. Quais os próximos planos?
Heloísa Buarque de Hollanda: Vou continuar aqui. Agora que comecei meu trabalho. Vou morrer aqui feliz da vida.